"Nossa cultura é a macumba, não a ópera. Somos um país sentimental, uma
nação sem gravata"
(Glauber Rocha)


terça-feira, 5 de outubro de 2010

EM DEFESA DE TIRIRICA

Por: Matheus Felipe de Castro

Calma! Ele não me passou procuração alguma (ainda). Mas me sinto no dever de sair em defesa do mandato do deputado eleito Tiririca. Na verdade, em defesa da vontade de 1.353.820 (um milhão, trezentos e cinquenta e três mil, oitocentos e vinte) eleitores que, bem ou mal, resolveram escolher o palhaço como seu representante em Brasília.

Sim! Diz a Constituição da República que vivemos em uma democracia derivada da soberania popular: "todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, através de representantes eleitos". Muitos concordam de maneira acrítica com essa declaração e tantos outros simplesmente a rejeitam, como se ela fosse mentirosa e desnecessária.

No entanto, a democracia não é uma coisa pronta e acabada, mas um processo em andamento, em construção. E ao contrário do que muitos opinam, a democracia não pode ser construída com menos democracia, mas com mais democracia.

A eleição de Tiririca, com uma das maiores votações da história, reflete o descontentamento do povo brasileiro para com a política liberal e os políticos burgueses. Talvez por acharem a política uma "palhaçada" é que resolveram entregá-la finalmente a quem de direito.

O fato é que o voto de protesto não deixa de ser menos voto que o dito "voto consciente" (one man one vote). Aliás, aqueles que acreditam ser os monopolizadores da consciência, deveriam, nesse momento, se conscientizar de que a democracia é um processo de profundo aprendizado político, onde o povo, por meio de avanços e revezes, acúmulos e desacúmulos, erros e acertos, vai se educando politicamente.

Educação política nada tem a ver com educação escolar ou técnica. Somos um país de milhões de analfabetos políticos (Brecht), inclusive portando diplomas de curso superior e não raras vezes de pós-graduação (mestrado e doutorado). Educação política é outra coisa e o povo brasileiro não vai ser ensinado a fazer política por nenhum professor (ou elite) que se acredite iluminado (a).

O aprendizado político do povo deve ser uma experiência, que deve sim encontrar orientação e respaldo nas forças políticas mais consequentes e engajadas de nossa sociedade (sim, acredite: essas forças políticas existem e estão aí dando sangue e suor no dia-a-dia para que um Brasil melhor possa ser construído), mas deve ser realizado na prática, na cotidianidade que marca a evolução de um povo.

Ora, eis que o Ministério Público Eleitoral de São Paulo ofertou denúncia (acatada pela Justiça) contra o deputado eleito, sob a acusação de um crime hediondo: ser analfabeto! No país das hedionduras, quem deveria ser denunciado por essa mazela social é o próprio Estado que até agora, pouco fez para superar séculos de atraso social e econômico que afligem a população brasileira! Individualiza uma questão coletiva e a imputa àquele que, com todos esses estigmas, acabou superando suas determinações e vencendo na vida.

Os analfabetos políticos do Judiciário e do Ministério Público, premidos por tantos outros analfabetos políticos das elites paulistas (talvez as mesmas que promoveram, através da mídia hegemônica, um ataque sem precedentes contra aquele que seria o primeiro senador negro e de origem pobre de São Paulo) agora querem cassar o diploma daquele que encontra amplo respaldo popular? Logo o Judiciário e o Ministério Público que, escolhidos em concursos dirigidos por seus pares de elite, historicamente se ressentem de um histórico deficit democrático?

Tiririca deve ser diplomado e uma vez diplomado deve ser empossado. Ele representa a cara do povo brasileiro, com suas belezas e feiúras. De milhões que, como ele, não tiveram oportunidade de estudar e ter uma vida melhor mediante o acesso aos bens fundamentais que a Constituição diz garantir a todos mas que, na prática, acabam sendo de muito poucos. E que, embora tudo isso, acabou, através de seu humor e irreverência, se tornando conhecido em todo o Brasil. Ele representa, de verdade, os seus representados: analfabetos, famintos, descamisados, sem lar...

Tiririca pode vir a ser um bom deputado! Em sua simplicidade, recentemente, afirmou que pretende realizar um mandato voltado para os mais pobres. Ou seja, já demonstrou que tem compromisso (que é o elemento mais importante para um representante do povo), embora não detenha, ainda, os conhecimentos que as elites preconceituosas estão lhe cobrando. Se não conseguir se desincumbir do papel, que seja defenestrado pelo mesmo meio pelo qual foi eleito, daqui a quatro anos, pela vontade popular.

Mas cassar, por meio da "Justiça", a vontade de uma parcela significativa do eleitorado de São Paulo, é um ato injusto, de extremo autoritarismo (para não se referir ao preconceito que carrega) e que deve ser repudiado por todos os democratas e progressistas que aspiram pela construção de um regime que inclua, de verdade e não somente nas declarações constitucionais, a maioria do povo brasileiro nos processos de participação que configuram uma VERADEIRA DEMOCRACIA POLÍTICA, ECONÔMICA E SOCIAL.