"Nossa cultura é a macumba, não a ópera. Somos um país sentimental, uma
nação sem gravata"
(Glauber Rocha)


sexta-feira, 26 de abril de 2013

Por que o Judiciário está na berlinda?

Entrevista do Professor Matheus Felipe de Castro ao Centro de Estudos e Pesquisas em Trabalho Público e Sindicalismo e SINJUSC 1 - A sociedade brasileira precisa debater o Poder Judiciário? Por quê? R: A sociedade brasileira precisa debater o Poder Judiciário porque ele é uma das instâncias privilegiadas da definição das diretrizes políticas nacionais. Ninguém mais acredita ou sustenta que o Poder Judiciário seja uma instância meramente técnica ou neutra no Aparelho de Estado ou num Governo. Ao contrário, o Judiciário exerce uma parcela privilegiada do Poder de Estado, tendo a faculdade, inclusive, de se sobrepor, em tempos de democracia, às decisões do Poder Executivo e também do Legislativo. Estamos vivendo tempos de grandes transformações comportamentais na sociedade. E o Poder Judiciário tem se manifestado ativamente sobre estas questões. Racismo, livre orientação sexual, relações de gênero, família e relacionamento com os filhos, formas eleitorais, relações partidárias e parlamentares, posse e propriedade, ou seja, nada, absolutamente nada passa hoje ileso ao crivo do Poder Judiciário, redefinindo as próprias formas de convivência numa sociedade historicamente dada. 2 - Há, nos meios de comunicação de massa, sinalizações críticas do Poder Judiciário. A sociedade brasileira deve entender que já ocorre, através da mídia, um desvelamento e uma mudança no Poder Judiciário? R: A mídia vem pautando um sentimento hoje generalizado de que o Poder Judiciário precisa mudar, precisa se abrir à democracia. Ele é o Poder de Estado menos transparente, porque, dentre outros fatores, os métodos de escolha de seus membros não se operam pelas mesmas formas que dos demais. Isso gera, em seu seio, uma visão elitista de mundo, que coloca os seus membros como uma espécie de casta de notáveis, enquanto os outros poderes seriam compostos em sua maioria por "ignorantes", "analfabetos" e "corruptos", o que é apenas uma parcela da verdade, mas não toda ela. Ora, o Poder Judiciário também tem suas mazelas: a corrupção não é monopólio do Legislativo e do Executivo, também perpassando o Judiciário, sendo, a bem da verdade, um fenômeno presente em toda a sociedade civil, refletindo concentradamente nos órgãos de poder. O isolamento dos seus membros e os seus altos salários geram certa ignorância para com os problemas reais do povo real, que acessa o Judiciário preferencialmente pela porta de entrada das Varas Criminais. A decisão em casos concretos isolados gera uma ilusória sensação de justiça, quando os problemas sociais subjacentes são mantidos ou até mesmo potencializados. Dessa forma, já se iniciou, na sociedade civil, uma transformação de consciência, exigindo a democratização do Judiciário, embora ainda hajam resistências profundas dentre os seus membros em geral à mudança. 3 - Como os trabalhadores, os desempregados, as mulheres, os jovens, enfim, aqueles que não estão em qualquer poder, podem participar para um Poder Judiciário que atenda a sociedade? R: O povo real, os trabalhadores, as mulheres, os negros, os jovens os excluídos, as "minorias" (que na verdade são as maiorias sociais) só aparecem no poder retoricamente na Constituição brasileira que afirma que "todo poder emana do povo e em seu nome é exercido". Mas na realidade, ninguém vem se sentindo representado, quanto mais vem se sentindo proprietário do poder. Ao contrário, vivemos uma profunda crise de representatividade de todos os Poderes da República, e a crise do Judiciário parece ser apenas uma faceta dessa crise mais geral. Na verdade, a própria tripartição do poder estatal e a estrutura clássica do Estado moderno estão esgotadas para dar conta das necessidades do povo, indiciando que os Estados reais estão mais preocupados em defender os interesses de pequenas minorias elitistas (econômicas, financeiras e políticas) do que em superar antigas e cristalizadas vulnerabilidades e disparidades que abalam a convivência social. Mas a democracia e a participação efetiva do povo no poder não são algo pronto e acabado. Ao contrário, são processos em construção constante e que ainda demandarão longas lutas com a finalidade de transformar as relações de poder social. E a democratização do Judiciário passará pelo mesmo processo geral. 4 - Afinal de contas, qual o Poder Judiciário que queremos? R: Gostaríamos de ter um Poder Judiciário que fosse elemento ativo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, economicamente desenvolvida e politicamente democrática. Mas para que isso possa ocorrer, o Judiciário precisa participar da vida do povo real. As profundas disparidades internas (pobreza, miséria, adoecimento, fome, etc.) e as crônicas vulnerabilidades externas (subdesenvolvimento econômico, político, militar, diplomático, etc.) não poderão ser superadas sem que todos os Poderes do Estado, inclusive o Judiciário, se apropriem e defendam a realização da ideologia constitucionalmente adotada, que é a da construção de um Estado de bem-estar social extremamente avançado. A união dos poderes de Estado, comandados de verdade pela vontade popular, é fundamental para que possamos construir a nação melhor que a Constituição projetou para o futuro. Enquanto o Judiciário continuar aferrado ao formalismo processual, à visão estrita de defesa da propriedade privada não-funcional, e a solução dos problemas sociais através do direito penal e do aparelho repressivo de Estado (criminalização da vida + prisonização da sociedade), continuaremos presos à visão clássica do Estado (e do Judiciário) como meros fiadores da lógica do capital, o que queremos superar. Matheus Felipe de Castro Professor do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC e do Programa de Pós-Graduação em Direitos Fundamentais da UNOESC e Advogado criminalista

quinta-feira, 25 de abril de 2013

REVISÃO DAS DECISÕES DO SUPREMO: UMA POLÊMICA

Sempre que uma novidade atinge nossos velhos preconceitos acaba por causar dor e desconfiança. Albert Einstein reclamava de um mundo onde era mais fácil quebrar o núcleo de um átomo do que um preconceito. E quando a matéria diz respeito ao funcionamento do Poder Judiciário, um órgão de exercício e legitimação do Poder do Estado, os juristas, ideólogos especializados em eufemizar a natureza oculta desse exercício, são os primeiros a sair em defesa das “instituições democráticas” constitucionalmente estabelecidas. Eu que não tenho compromissos com os Poderes Estabelecidos, estou ao lado daqueles que poderiam ser chamados de os “descamisados do poder”, não me preocupo nem um pouco em tentar sair por aí defendendo a manutenção do Poder dos Juízes. E quando se trata de triscar no poder deles, todos saem às ruas conclamando o povo a uma cruzada em defesa da “democracia”. Pois bem. Mas então, a proposta do Congresso Brasileiro de criar instrumentos de revisão das decisões do Supremo Tribunal Federal não deve ferir tanto assim a dita “separação dos poderes”. Se os juízes podem se meter nas decisões dos outros dois poderes sem que haja violação daquela separação, por que razão se outro poder (e não é qualquer poder, mas aquele que é composto pelos representantes ELEITOS pelo povo, palavra que no Judiciário causa arrepios!) se meter nas decisões deles haverá tal violação? Claro que quem leu até agora o meu escrito está dando pulos de raiva. Esse aí não conhece nada da lei e do direito nacionais! Está falando uma besteira. Ocorre que eu pontuei desde o início que meu compromisso não era com os preconceitos pré-estabelecidos pela Ordem e pelo Direito. E talvez não o seja nem com o Congresso Nacional, que igualmente pouco representa os seus eleitores. Porque, ao final, o que está em jogoé uma luta interna ao aparelho de Estado para ver quem deterá a hegemonia política do momento. O fato é que não quero cair numa polêmica bipolarizada por um maniqueísmo. Vamos fazer assim: se o Brasil é verdadeiramente uma democracia, se aqui todo o poder emana do povo, como diz a Constituição, vamos fugir desse debate e vamos propor que a última palavra seja do povo? Que as decisões dos três poderes fiquem sujeitas, mediante convocação, a plebiscito nacional sobre a sua validade? Ah! Mas isso não pode? Talvez não possa porque na nossa atual “democracia” o “demo” esteja totalmente esquecido e a “cracia” hipertrofiada e disputada corporativamente pelos integrantes do aparelho de Estado. Não votei nos meus juízes, mas gostaria de elegê-los e que tivessem mandatos fixos, como ocorre no Conselho de Estado Francês. Afinal, já que agora eles se meteram a “violar” sistematicamente a separação dos poderes, se arrogando o papel de legisladores, deveriam ser eleitos e não reclamar que o “feitiço tenha se voltado contra o feiticeiro”.