"Nossa cultura é a macumba, não a ópera. Somos um país sentimental, uma
nação sem gravata"
(Glauber Rocha)


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Última homenagem ao amigo Mosquito!

Mosquito era um cara engraçado. O conheci ainda em 2004, recém chegado a Florianópolis. Naquele ano e nos anos seguintes, protagonizamos os grandes eventos que ficaram conhecidos como "Revoltas da Catraca". Eu era advogado dos estudantes e cheguei a ser conduzido uma vez a delegacia, por ter enfrentado um coronel da polícia que teimava em tentar dar ordens sobre uma passeata que promovíamos nas proximidades da Praça XV, e depois preso pela tropa de choque numa manifestação que chegava ao fim em frente ao Camelódromo.

Mosquito acompanhava tudo de perto. E se empolgava! Dizia-me que não havia visto nada parecido na cidade desde a Novembrada quando ele foi preso por ter enfrentado o General Figueiredo, junto com a amiga Lelê e outros estudantes da época. Mas dizia que nós tinhamos ido além, pelo nível de organização, etc.

Depois disso ficamos amigos. Quantas vezes andando pelo centro de Florianópolis ele gritava:"Matheus..." E desendava a contar causos e causas. Nos últimos tempos ele tinha vivido disso, de causos que abundavam em seu polêmico Blog "Tijoladas" e de causas, que os pretensos ofendidos lhe moviam aos rodos com a intenção de lhe calar junto a um Judiciário que só serve aos poderosos.

Certa vez eu estava em sala de aula, na UFSC, falando aos meus alunos, o telefone tocou e sinalizou "Mosquito". Atendi e ele me disse do outro lado da linha: "Cara, tô internado aqui no Hospital..." Gritei: "Porra Mosquito, que aconteceu?". Gritou do outro lado: "Passei mal no jogo do Avaí, dizem que é grave, mas, olha: leu o jornal hoje?" E desandou falar dos problemas da cidade, me questionando se eu não toparia mais uma empreitada jurídica com ele.

Esse era o Mosquito: um sujeito que mesmo nas adversidades deixava generosamente seus problemas de lado para se preocupar com o outro ("alter"). É certo que exagerava, é mais certo ainda que se passava e equivocava. Mas era um sujeito generoso, amigo e leal. Ironicamente, foi-se da mesma forma como se foram outros heróis da nação brasileira, a exemplo de Tiradentes. Por isso, deixo aqui esta música do Chico Buarque, que fala um pouco do nosso amigo manezinho inconfidente.

Mosquito, grande abraço CAMARADA!

Tema de "Os Inconfidentes"

Chico Buarque

Toda vez que um justo grita
Um carrasco o vem calar
Quem não presta fica vivo
Quem é bom, mandam matar
Quem não presta fica vivo
Quem é bom, mandam matar

Foi trabalhar para todos
E vede o que lhe acontece
Daqueles a quem servia
Já nenhum mais o conhece
Quando a desgraça é profunda
Que amigo se compadece?

Foi trabalhar para todos
Mas, por ele, quem trabalha?
Tombado fica seu corpo
Nessa esquisita batalha
Suas ações e seu nome
Por onde a glória os espalha?

Por aqui passava um homem
(E como o povo se ria!)
Que reformava este mundo
De cima da montaria
Por aqui passava um homem
(E como o povo se ria!)
Ele na frente falava
E atrás a sorte corria

Por aqui passava um homem
(E como o povo se ria!)
Liberdade ainda que tarde
Nos prometia
Por aqui passava um homem
(E como o povo se ria!)
No entanto à sua passagem
Tudo era como alegria

Por aqui passava um homem
(E como o povo se ria!)
Liberdade ainda que tarde
Nos prometia

Toda vez que um justo grita
Um carrasco o vem calar
Quem não presta fica vivo
Quem é bom, mandam matar
Quem não presta fica vivo
Quem é bom, mandam matar

Composição: Chico Buarque (de um poema de Cecilia Meireles)

sábado, 3 de dezembro de 2011

A RÉ DILMA


Dilma na sede da Auditoria Militar no Rio de Janeiro, em novembro de 1970. Ao fundo, os oficiais que a interrogavam sobre sua participação na luta armada escondem o rosto com a mão (Foto: Reprodução que consta no processo da Justiça Militar)

Motorista bêbado que atropelou e matou deputado tem absolvição unânime em Júri Popular no Maranhão


Onório Salvador Batista de 30 anos, que atropelou e matou um deputado na cidade de Caxias-MA após sair bêbado de um bar, foi levado a júri popular acusado por homicídio doloso e teve absolvição unânime. O julgamento foi realizado na tarde desta sexta-feira, dia 25, no fórum de Concórdia. Todos os jurados aceitaram a tese de legítima defesa.

Em depoimento, o réu declara que segundos antes do crime, passava em frente a um supermercado e viu a vítima atravessando a rua em direção a um estacionamento.

“Apesar de ter ingerido uma quantidade relevante de álcool , eu estava voltando pra casa tranquilo, quando vi de longe um rapaz de terno e gravata passando na minha frente. Olhando com um pouco mais de atenção reconheci de quem se tratava. Não tive outra escolha, ao invés de frear acelerei mais”, declarou o acusado.

Segundo o promotor Ubirati Morça, a acusação teve dificuldades na seleção dos jurados, pois todos os indicados a participação no júri já haviam sido lesados de alguma forma e guardavam mágoas da vítima. O júri foi formado por 10 pessoas.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Resposta a uma amiga feminista: esclarecendo meu pensamento sobre a Lei Maria da Penha

Matheus:
Então, como sei que voce é daqueles que defende a inconstitucionalidade da lei Maria da Penha... bem, eu queria me instrumentalizar conhecendo mais profundamente os argumentos de quem defende essa linha.
Procurei na internet, mas aparece muita coisa de gente desconhecida e não sei ao certo em quem confiar nesse mundo jurídico (acho que melhor não confiar em ninguem hehehehe, só em você!!!).
Você poderia me passar algum texto bom, bem cheio de argumentos, os melhores, que defendam a inconstucionalidade desta lei?
Beijos.
______________

Amiga:
Aí que você se engana. Defendo a constitucionalidade da lei. Questão de constitucionalidade é questão meramente formal. E formalmente, a Lei Maria da Penha é absolutamente constitucional. Defendo também que o Estado tem o dever de criar todo tipo de mecanismos sócio-políticos e jurídicos para proteger a mulher em relação à violência de gênero. Minha crítica é endereçada somente e tão-somente à utilização do direito penal (prisão) como método adequado para debelar a violência de gênero. Minha experiência como advogado criminal tem me levado a, empiricamente, perceber que o uso da criminalização tem estigmatizado o homem como o (sempre) agressor e a mulher como a (sempre) vítima, o que sociologicamente acaba tendo o condão de reforçar (ao invés) de debelar as relações diferenciais de gênero, além de que os criminólogos marxistas há muito defendem a abolição do direito penal como instrumento de opressão tipicamente burguês, eis que parte exatamente do pressuposto da estigmatização dos excluídos sociais. Outra questão é que, antes, os problemas surgidos no seio das famílias eram levados até as Varas de Família na busca de uma solução. Agora, com os mecanismos criminais da Lei Maria da Penha, passaram a ser levados para a delegacia, tendo havido uma criminalização ou penalização das relações familiares, o que, ao meu ver, representa um retrocesso na luta por um mundo melhor, mais justo, livre e solidário, passando pela superação de uma sociedade classista e patriarcal.

Ah! Quanto aos textos que defendem a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha, são tão pueris que nem podem ser considerados "científicos". Tentam argumentar que pelo princípio da igualdade, o Estado não poderia criar mecanismos diferenciais entre mulheres e homens, entre brancos e negros, entre ricos e pobres, ou seja, que o Estado não pode criar mecanismos de políticas afirmativas. Esse argumento é liberalóide e cai de maduro diante da Constituição brasileira, que busca uma igualdade material (desigualando os desiguais para igualá-los) e não uma igualdade meramente formal (todos são iguais perante a lei).

Grande abraço e boa sorte em sua pesquisa!

domingo, 21 de agosto de 2011

Slavoj Žižek: Assaltantes de lojinhas do mundo, uni-vos!



Por Slavoj Žižek, em London Review of Books

A repetição, segundo Hegel, tem papel crucial na história: se alguma coisa acontece uma única vez, pode ser descartada como acidente, algo que poderia ter sido evitado se a situação tivesse sido conduzida de modo diferente; mas quando um mesmo evento repete-se, é sinal de que está em curso um processo histórico mais profundo.

Quando Napoleão foi derrotado em Leipzig em 1813, pareceu má sorte; quando foi derrotado outra vez em Waterloo, ficou claro que seu tempo acabara. Vale o mesmo para a continuada crise financeira. Setembro de 2008 foi apresentado como anomalia que podia ser corrigida com melhores regulações e controles; hoje se acumulam sinais de quebradeira nas finanças e já é evidente que estamos lidando com fenômeno estrutural.

Dizem e repetem e repetem que atravessamos uma crise da dívida e que todos temos de partilhar a carga e apertar os cintos. Todos, exceto os (muito) ricos. Aumentar impostos sobre muito ricos é tabu: se se fizer isso, diz o mesmo argumento, os ricos não terão incentivo para investir, haverá menos empregos e todos sofreremos mais. A única salvação, nesses tempos duros, é os pobres ficarem cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. O que devem fazer os pobres? O que podem fazer?

Embora os tumultos de rua na Grã-Bretanha tenham sido desencadeados pela morte de Mark Duggan, todos concordam que manifestam mal-estar mais profundo – mas que tipo de mal-estar? Como quando se queirmaram carros nos subúrbios de Paris em 2005, os agitadores de rua na Grã-Bretanha não tinham mensagem alguma a comunicar. (Há aí claro contraste com as manifestações massivas de estudantes em novembro de 2010, que também geraram violência. Os estudantes deixaram bem claro que rejeitavam as propostas de reformas na educação superior.)

Por isso é difícil pensar sobre os agitadores de rua britânicos em termos marxistas, como uma instância da emergência do sujeito revolucionário; encaixam-se muito mais facilmente na noção hegeliana de “ralé”, “escória” [orig. ‘rabble’], espaços marginais organizados, que manifestam o próprio descontentamento mediante explosões ‘irracionais’ de violência destrutiva – que Hegel chamava de “negatividade abstrata”.

Há uma velha história sobre um operário suspeito de roubo: todas as tardes, ao sair da fábrica, o carrinho-de-mão que ele empurra é cuidadosamente revistado. Os guardas nada encontram; o carrinho está sempre limpo. Até que a ficha cai: o operário roubava um carrinho-de-mão por dia. Os guardas não viam a mais visível verdade, exatamente como os jornalistas e especialistas e autoridades que comentaram os tumultos de rua.

Dizem-nos que a desintegração dos regimes comunistas no início dos anos 1990 marcaram o fim da ideologia: o tempo dos projetos ideológicos em grande escala que culminaram em catástrofe totalitária está acabado; teríamos entrado numa nova era de política racional, pragmática. Se o lugar-comum de que vivemos numa era pós-ideológica é correto em algum sentido, pode-se ver nas recentes explosões de violência. Foi protesto de grau-zero, ação violenta sem demandas. Em sua tentativa desesperada para encontrar algum sentido nos tumultos, sociólogos e jornalistas deixaram passar sem qualquer registro o enigma que os tumultos nos impuseram.

Os que protestavam, oprimidos e socialmente excluídos de fato, não vivem risco de morrer de fome. Gente que sobrevive em condições materiais muito piores, sem falar das condições de opressão física e ideológica, têm conseguido organizar-se em forças políticas com agendas políticas claras.

O fato de os agitadores não terem programa é, portanto, ele mesmo, fato que exige interpretação: diz muito sobre nossa pregação político-ideológica e sobre o tipo de sociedade em que vivemos – uma sociedade que celebra a escolha, mas na qual a única escolha possível é um consenso democrático obrigatório praticado como repetição sem pensamento [ing. a blind acting out].

Nenhuma oposição ao sistema consegue articular-se como alternativa realista, sequer como projeto utópico, e só consegue assumir a forma de explosão sem meta ou significado. O que significaria nossa tão celebrada liberdade para escolher, se a única escolha possível é jogar pelas regras ou a violência (auto)destrutiva?

Alain Badiou argumentou que vivemos num espaço social que cada dia mais é experienciado como “sem mundo” [orig, ‘worldless’]: nesse espaço, a única forma que o protesto pode assumir é a violência sem sentido.

Talvez aí esteja um dos principais perigos do capitalismo: embora, porque é global, o capitalismo inclua todo o mundo, ele mantém uma constelação ideológica “sem mundo”, na qual as pessoas são privadas dos meios conhecidos para localizar o significado. A lição principal da globalização é que o capitalismo pode acomodar-se a todas as civilizações, cristã, hindu ou budista, do Ocidente e do Oriente: não há qualquer ‘visão de mundo capitalista’, nenhuma ‘civilização capitalista’ propriamente dita. A dimensão global do capitalismo manifesta a verdade sem significado.

A primeira conclusão a ser extraída dos tumultos de rua, portanto, é que nenhuma das reações aos tumultos, seja a conservadora seja a liberal, é adequada.

A reação conservadora era previsível: não há o que justifique tal vandalismo; é preciso usar os meios necessários para restaurar a ordem; para evitar que explosões como aquelas se repitam no futuro, precisamos, não de mais tolerância e ajuda social, mas de mais disciplina, mais trabalho duro e senso de responsabilidade.

O que há de errado nessa narrativa não é só que ela ignora a situação social de desespero que empurra os jovens para explosões de violência mas, e talvez mais importanre, que ela ignora o modo como essas explosões são eco das próprias premissas ocultas da ideologia conservadora.

Quando, nos anos 1990, os Conservadores lançaram sua campanha de “de volta ao básico”, o complemento obseno que aí havia foi bem claramente revelado por Norman Tebbitt: “O homem não é só animal social, também é animal territorial; é indispensável incluir em nossa agenda a necessidade de satisfazer esses instintos humanos básicos de tribalismo e de territorialidade.” Porque aquela “volta ao básico” tratava, realmente, disso: de soltar os bárbaros que vegetam por baixo de nossa sociedade burguesa aparentemente civilizada, satisfazendo os “instintos básicos” dos bárbaros.

Nos anos 1960, Herbert Marcuse introduziu o conceito de “dessublimação repressiva”, para explicar a “revolução sexual”: os impulsos humanos podem ser dessublimados, ganhar rédea solta, e, mesmo assim, permanecer submetidos aos controle capitalista – vide a indústria pornográfica [e as novelas e programas humorísticos da televisão brasileira (NTs)]. Nas ruas britânicas, durante os tumultos, o que se viu não foram homens reduzidos a ‘bestas’, mas a forma nua da ‘besta’ produzida pela ideologia capitalista.

Por sua vez, os liberais de esquerda, não menos previsíveis, agarraram-se ao seu mantra sobre programas sociais e iniciativas de integração, as quais, negligenciadas, teriam privado a segunda e terceira gerações dos imigrantes de suas possibilidades econômicas e sociais: explosões de violência seriam o único meio que ainda têm para articular a insatisfação.

Em vez de nos permitir embarcar indulgentemente em fantasias de vingança, devemos nos esforçar para entender as causas profundas dos atos de violência. Saberíamos nós o que significa ser jovem em área pobre racialmente ‘complexa’, ser considerado suspeito a priori nas batidas policiais, sempre agredidos por policiais, não só desempregado mas, muitas vezes, inimpregável, sem esperanças de futuro? A implicação é que as próprias condições em que essas pessoas encontram-se tornariam inevitável que tomassem as ruas.

O problema dessa narrativa é que só lista as condições objetivas dos tumultos. ‘Agitar’, ‘tumultuar’ seria fazer uma declaração subjetiva, declarar implicitamente como alguém se relaciona com as próprias condições objetivas de vida.

Vivemos tempos cínicos. Não é difícil imaginar um agitador que, apanhado quando saqueava e incendiava uma loja e interrogado sobre suas razões, responda usando a linguagem dos sociólogos e assistentes sociais: que fale de menor mobilidade social, insegurança crescente, desintegração da autoridade paterna, carência de atenção materna na infância. Ele sabe portanto o que faz, mas mesmo assim faz.

É perda de tempo ponderar qual dessas duas reações, a conservadora ou a liberal, é a pior: como Stálin diria, as duas são piores, e isso inclui o alerta que os dois lados dão, de que o real perigo dessas explosões está na previsível reação racista da “maioria silenciosa”.

Uma das formas que essa reação assumiu em Londres foi a atividade ‘tribal’ de comunidades locais (turcos, caribenhos, sikhs), que rapidamente organizaram unidades por ‘tribos’ para vigiar suas propriedades. Os donos de lojas seriam uma pequena burguesia que defende sua propriedade contra um genuíno, embora violento, protesto contra o sistema? Ou seriam representantes da classe trabalhadora combatendo contra forças da desintegração social? Também nesse caso, deve-se rejeitar a ordem para escolher um dos lados.

A verdade é que o conflito aconteceu entre dois pólos de oprimidos: os que tiveram sucesso e conseguiram operar dentro do sistema versus os frustrados demais para continuar tentando. A violência dos agitadores foi dirigida quase exclusivamente contra seus respectivos grupos. Os carros queimados e as lojas saqueadas não foram queimados e saqueadas em bairros ricos, mas nos próprios bairros onde vivem os incendiadores e saqueadores. Não há conflito entre diferentes partes da sociedade; o conflito é, no seu aspecto mais radical, entre sociedade e sociedade, entre os que têm tudo e os que nada têm a perder; os que nada apostaram na própria comunidade e os que fizeram as mais altas apostas.

Zygmunt Bauman caracterizou os tumultos como “atos de consumidores defeituosos e não qualificados”: sobretudo, foram manifestação de um desejo consumista atuado [orig. enacted] quando incapaz de realizar-se do modo ‘certo’ – mediante um ato de compra. Nessa medida, os tumultos também contêm um momento de protesto genuíno, sob a forma de resposta irônica à ideologia do consumo: “Vocês nos convocam para consumir e, simultaneamente, nos negam os meios para consumir do jeito ‘certo’. – Estamos consumido, do único modo possível para nós!”

Os tumultos são demonstração da força material da ideologia – excessiva, talvez, em tempos de ‘sociedade pós-ideológica’. De um ponto de vista ideológico, o problema dos tumultos não está na violência como tal, mas no fato de que a violência não é verdadeiramente autoafirmativa. É raiva e desespero impotentes mascarados como exibição de força: é inveja travestida de carnaval triunfante.

Os tumultos devem ser situados também em relação a outro tipo de violência que a maioria liberal percebe hoje como ameaça ao nosso modo de vida: os ataques terroristas e os suicidas-bomba. Nas duas instâncias, violência e contraviolência são apanhadas num círculo vicioso, as duas gerando as mesmas forças que tentam derrotar. Nos dois casos, estamos lidando com passages à l’acte [fr. no original] cegas, nas quais a violência é admissão implícita de impotência. A diferença é que, ao contrário dos tumultos na Grã-Bretanha ou em Paris, os ataques terroristas são postos a serviço de um significado – o Significado absoluto que a religião assegura.

Mas os levantes árabes não foram ato coletivo de resistência que rejeitaram a falsa alternativa entre violência autodestrutiva e fundamentalismo religioso? Infelizmente, o verão egípcio de 2011 será lembrado como o fim da revolução, quando seu potencial emancipatório foi sufocado. Os coveiros são o exército e os islâmicos. Os contornos do pacto entre o exército (que é o exército de Mubarak) e os islâmicos (que foram marginalizados durante os primeiros meses do levante, mas agora estão ganhando terreno) são cada dia mais claros: os islâmicos tolerarão os privilégios materiais do exército e, em troca, garantirão a hegemonia ideológica.

Os perdedores serão os liberais pró-ocidente, fracos demais – apesar do dinheiro da CIA – para ‘promover a democracia’; e os verdadeiros agentes dos levantes da primavera, uma emergente esquerda secular que tentava montar uma rede de organizações da sociedade civil, a partir dos sindicatos e das feministas.

A situação econômica em rápida deterioração, logo, mais cedo ou mais tarde, levará os pobres, grandes ausentes dos levantes da primavera árabe, às ruas. É bem provável que haja nova explosão, e a pergunta difícil para os sujeitos políticos egípcios é: quem dirigirá, com sucesso, a ira dos pobres? Quem traduzirá essa ira em termos de programa político: a nova esquerda secular ou os islâmicos?

A reação predominante na opinião pública ocidental ao pacto entre islâmicos e o exército no Egito será, sem dúvida, um show de cinismo: nos dirão que, como o caso do Irã (não árabe) mostrou claramente, levantes populares em países árabes sempre terminam em islamismo militante. Mubarak aparecerá como diabo muito menos perigoso – melhor ficar com diabo conhecido que lidar com forças de emancipação. Contra tal cinismo, é preciso permanecer incondicionalmente aliado ao núcleo radical-emancipatório do levante egípcio.

Mas é preciso evitar também o narcisismo da causa perdida: é muito fácil admirar a beleza sublime dos levantes condenados ao fracasso.

Hoje, a esquerda enfrenta o problema da ‘negação determinada’ [orig. ‘determinate negation’]: que nova ordem deve substituir a velha ordem, depois do levante, quando houver passado o sublime entusiasmo do primeiro momento? Nesse contexto, o manifesto dos Indignados da Espanha, lançado depois das manifestações em maio, é revelador.

O primeiro traço que chama a atenção é o decidido tom apolítico: “Uns de nós consideram-se progressistas, outros conservadores. Uns são religiosos crentes, outros não. Uns têm ideologias claramente definidas, outros são apolíticos, mas todos estamos preocupados e zangados com o quadro político, econômico e social que vemos à nossa volta: corrupção de políticos, empresários, banqueiros, que nos deixam indefesos, sem voz.”

Protestam em nome de “verdades inalienáveis que não vemos respeitadas em nossa sociedade: o direito a moradia, emprego, cultura, saúde, participação política, livre desenvolvimento pessoal, direitos do consumidor e a uma vida saudável e feliz”. Rejeitando a violência, clamam por uma “revolução ética. Em vez de pôr o dinheiro acima dos seres humanos, devemos pô-lo a nosso serviço. Somos pessoas, não produtos. Não sou o que compro, porque compro ou de quem compro.”

Quem serão os agentes dessa revolução? Os Indignados espanhóis descartam todos os políticos, a esquerda e a direita, como corruptos e controlados pela ganância e pela sede de poder. Mesmo assim, o manifesto apresenta várias demandas, mas... dirigidas a quem? Não a eles mesmos: os Indignados (ainda) não declaram que ninguém mais fará por eles, que eles mesmo têm de ser a mudança que querem ver.

E aí está a fragilidade fatal dos recentes protestos: manifestam uma raiva autêncica que não consegue transformar-se em programa de ação positiva para mudança sociopolítica. Manifestam um espírito de revolta, sem revolução.

A situação na Grécia parece mais promissora, provavelmente devido a uma tradição mais persistente de auto-organização progressista (que desapareceu na Espanha depois da queda do regime de Franco). Mas mesmo na Grécia o movimento de protesto padece das limitações da auto-organização: os que protestam estão mantendo um espaço de liberdade igualitária sem autoridade central, um espaço público no qual todos têm o mesmo tempo para falar etc. Quando os manifestantes começaram a discutir o passo seguinte, como avançar além dos simples protestos, a maioria concluiu que não se precisava de novo partido e que não era o caso de tentar tomar o poder do estado; que o movimento faria pressão sobre os partidos políticos.

Evidentemente, é muito pouco para forçar uma reorganização de toda a vida social. Para chegar lá, é indispensável um corpo forte, competente para tomar decisões rápidas e implementá-las com todo o rigor necessário.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Plano de Ensino Direito Penal IV

Aí alunada: segue o plano de ensino...

https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=explorer&chrome=true&srcid=0B2M9n2P_DzHqNWQ0YmNjNmUtNTZiMC00NTE2LWEwNGItZWZkMzBlZDhjODZj&hl=pt_BR

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Carlos Marighella: Rondó da Liberdade

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre...
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

São Paulo, Presídio Especial, 1939.

terça-feira, 19 de julho de 2011

NOTÍCIAS DE ANTIGÜIDADES IDEOLÓGICAS: alemão retoma sonho de Eisenstein e filma O Capital



Uma maratona de nove horas e meia de duração começa nesta terça-feira, às 10 horas da manhã, e só termina às 22h30 (com intervalos para almoço e lanche) no Sesc Pinheiros: abrindo a mostra de filmes do cineasta alemão Alexander Kluge, será exibida a megaprodução Notícias de Antiguidades Ideológicas: Marx, Eisenstein, O Capital.

Filmado em plena crise econômica de 2008, é o projeto mais radical de renovação do cinema, levado a cabo por um diretor associado à criação do Novo Cinema Alemão, nos anos 1960. Kluge é também um dos mais respeitados literatos de seu país, a ponto de ter em seu filme depoimentos de colegas como o poeta e ensaísta Hans Magnus Enzensberger, o filósofo Peter Sloterdijk e o cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard, modelo assumido de Kluge, conhecido principalmente por seu filme Artistas na Cúpula do Circo: Perplexos (1967), que integra a retrospectiva do diretor, a partir do dia 26, no Goethe-Institut.

Notícias de Antiguidades Ideológicas sai diretamente da tela para o DVD. A produtora e distribuidora Versátil Home Video lança simultaneamente à mostra uma caixa com três discos (R$ 69,90) contendo a versão integral do filme, adaptação dos conceitos contidos no livro O Capital, de Marx — além dos esboços que deram origem ao livro, ou seja, os Grundrisse, versão inicial da crítica de economia política do pensador alemão traduzida (pela primeira vez para o português) pela Boitempo Editorial.

Fazer um filme sobre O Capital é o mesmo que filmar a lista telefônica, com o agravante de que a última ainda permite certo tipo de representação que o ensaio econômico-filosófico de Marx não suporta. Kluge sabia disso desde o começo — ou seja, desde que decidiu concretizar um projeto nunca realizado pelo cineasta russo Serguei Eisenstein, diretor de clássicos como O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro, o filme mais caro bancado pelo governo revolucionário da ex-URSS.

Ao terminar Outubro, em 1927, Eisenstein ficou dois anos com a ideia fixa de filmar O Capital seguindo a estrutura formal literária usada por James Joyce para escrever seu Ulisses. Em 1929, decidido a contar com sua colaboração, procurou o autor irlandês em Paris que, já cego, foi de pouca de ajuda.

Não foi só de Joyce que Eisenstein recebeu um não. Do Comitê Central soviético aos estúdios hollywoodianos, passando pela Gaumont francesa, ninguém quis bancar seu projeto de filmar O Capital usando Ulisses. Se, no livro, Joyce adota o modelo épico homerístico para contar a odisseia de um homem (Leopold Bloom) durante um dia inteiro, Eisenstein, em O Capital, contaria a vida de duas pessoas igualmente perdidas (um casal) num mundo pós-industrial dominado pelo capital.

Um dia basta para resumir toda a história da humanidade na vida de um homem, segundo a lógica de Joyce. Ou de duas, segundo Kluge, que parece não ter dúvidas sobre em que cenário esse casal viveria hoje: o do pós-bolha que abalou o crédito das bolsas e instituições bancárias. Enzensberger, a título de colaboração, sugere que Kluge filme as pessoas abandonando suas casas nos EUA por não poder mais pagar as prestações ao banco.

Kluge, assim como Enzensberger, são da escola de Habermas. Em outras palavras: marxista. Naturalmente discorda de quem acha que a modernidade já deu seu último suspiro. Vendo a China comunista avançar e potências capitalistas ocidentais agonizando na UTI, Kluge sente-se mais ou menos como Eisenstein se sentia em 1929 com o quebra da bolsa de Nova York.

Mais do que fornecer respostas à crise econômica mundial, seu filme fala de gente que se vê como dinossauro — mas que ainda acredita no projeto iluminista da Escola de Frankfurt, como o jovem marxista Fred Walhasch, que escreve para jornais estrangeiros e elabora dossiês. Walhasch diz no filme: "Vivo como o próprio Marx. Ninguém me quer".

Ninguém quer igualmente filmes de 9 horas e meia. Vivemos numa sociedade de espetáculo — e filmar O Capital exige coragem e determinação para ir contra essa tendência e reconstruir a arte cinematográfica de autores como Eisenstein, Murnau, Lang e Bergman. Ao desenterrar o projeto do filme do russo, Kluge tinha em mente unir a filosofia de Kant, Adorno e Habermas — naturalmente atento às inovações sintáticas da literatura de Joyce e à montagem por associações do cinema de Eisenstein.

Assim, Kluge recorre a versos escritos na prisão, em 1871, por Louise Michael, a poeta da Comuna de Paris, mostrados por meio de cartelas (como no cinema mudo), além de usar fragmentos de óperas de Luigi Nono (Al Gran Sole Carico D"Amore), Max Brand (Maquinista Hopkins) e Wagner (Tristão e Isolda, uma montagem dirigida por Werner Schroeter em que os marinheiros da obra de Wagner saem diretamente do Encouraçado Potemkin).

Kluge ainda se apropria, com apetite antropofágico, de um deslumbrante exercício visual do cineasta Tom Tykwer (de Perfume e Corra, Lola, Corra) sobre o fetiche da mercadoria. O filme de Tykwe tem 12 minutos e chama-se O Homem na Coisa. O diretor acompanha os passos apressados de uma garota em Berlim e, no lugar de contar sua história, começa a divagar, acompanhando os movimentos da câmera, que focaliza as maçanetas das portas das casas, os interfones, a bolsa e os sapatos da mulher.

O olho selvagem da câmera penetra na realidade do processo de produção, enquanto o narrador conta a história dos objetos e demonstra, como queria Marx, que uma mercadoria não tem nada de trivial, que ela está cheia de metafísica, de conteúdo teológico.

O filme de Kluge ainda recorre a fragmentos de uma ópera que estreou justamente em 1929, no auge da crise mundial: Maquinista Hopkins, do austríaco Max Brand, incluído na lista dos "entarted" (degenerados) pelos nazistas. Como em Metrópolis, de Lang, Brand fala de um mundo novo nada admirável que surge das máquinas e da depressão econômica.

A ópera se passa nos galpões de uma fábrica e ilustra, no terceiro DVD, como Eisenstein teria incorporado a linguagem operística à sintaxe cinematográfica, além de filmes como Ninotchka, de Lubistch, e peças de Brecht. Kluge realiza o sonho do cineasta russo.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=11&id_noticia=159030

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Salo de Carvalho: Como não se faz um trabalho de conclusão



“A metodologia é importante demais para ser deixada aos metodólogos.” (Howard S. Becker)

"O livro tem como objetivo problematizar as formas usuais de redação dos trabalhos de conclusão (monografias, dissertações e teses) nas Faculdades de direito. Procura apontar os inúmeros equívocos derivados da supervalorização dos procedimentos de investigação e propor algumas alternativas viáveis para romper com herança burocrática que é uma das responsáveis pela estagnação da pesquisa no direito.Procuro, através deste trabalho, debater com os alunos e com os professores possibilidades diversas de pesquisa, fundamentalmente como abordar conteúdos de forma não-burocrática.Elaborei a monografia em forma de diálogo. Para efetivar esta troca de experiências dividi o trabalho em dois momentos. No primeiro descrevo uma espécie de pauta negativa sobre a pesquisa acadêmica: como não fazer uma pesquisa. No segundo, em uma pauta positiva, aponto algumas saídas possíveis que aprendi e desenvolvi durantes meus 15 anos de docência: como é possível fazer uma pesquisa. O momento propositivo foi construído a partir de estudo de casos que considero representativos em termos metodológicos e com qualidade no conteúdo da análise.Creio que a apresentação de trabalhos acadêmicos virtuosos (projetos de pesquisa, monografias, dissertações e teses) permitirá aos alunos e aos professores perceber a infinita quantidade de métodos possíveis para além da mera revisão bibliográfica.Espero, sinceramente, que este livro colabore para que os pesquisadores realizem um diagnóstico dos problemas que a pesquisa jurídica enfrenta atualmente, visualizem maneiras outras de investigação e aumentem o diálogo qualificado entre corpo docente e discente." (Salo de Carvalho, Porto Alegre, inverno de 2011).

Paulo Queiroz: sobre o conceito analítico de crime

"(...) não existem fenômenos criminosos, mas apenas uma interpretação criminalizante dos fenômenos; logo, não existem fenômenos típicos, antijurídicos ou culpáveis, mas somente uma interpretação tipificante, antijuridicizante e culpabilizante dos fenômenos." (Paulo Queiroz, A propósito do conceito definitorial de crime In Boletim IBCCRIM, São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 224, p. 15, jul., 2011).

Fonte: Blog de (Anti)Criminologia

Fabricando corpos dóceis...

As funções do juiz por Michel Foucault

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tio Sam sinaliza calote!



O fantasma da moratória ronda os Estados Unidos e ameaça o mundo
Tudo que era sólido desmancha no ar. A frase de Marx e Engels no Manifesto Comunista parece muito apropriada à situação inusitada vivida hoje pelos EUA. O fantasma da moratória ronda o império e já assusta o mundo. Quem diria?


Por Umberto Martins

Autoridades em economia política como Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo, entre outros, julgavam que a dívida dos Estados Unidos não devia ser considerada um problema. Isto porque foi contraída em dólares e teoricamente pode ser paga sem maior esforço que a mera emissão de papel-moeda pelo Federal Reserve (banco central estadunidense). A idéia, de aparência lógica e simplória, não sobrevive aos fatos.

Garantia dramática

Nesta segunda-feira (11), Barack Obama assegurou, durante entrevista coletiva na Casa Branca, que os Estados Unidos “nunca deixaram nem deixarão de pagar suas dívidas”. A garantia dramática foi feita após encontro do presidente com lideranças dos partidos Republicano e Democrata do Congresso. Obama tenta convencer os parlamentares a apoiar um novo teto para a dívida pública. Não é uma tarefa fácil num legislativo controlado por uma oposição que tem os olhos voltados para o pleito presidencial de 2012.

No domingo (10), a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, também advertiu para a possibilidade de moratória na maior economia capitalista do mundo, que será inevitável caso não se viabilize um acordo entre o governo e o congresso. As consequências para a economia mundial, ainda convalescente da crise propagada pelo império em 2008 e ameaçada pela turbulência financeira na Europa, podem ser trágicas. A inadimplência americana seria "um golpe tremendo às bolsas ao redor do globo, porque os Estados Unidos são um país muito importante para o restante do mundo", alertou em entrevista à rede ABC.

4/5 do PIB mundial

Atualmente, o limite de endividamento dos EUA é de US$ 14,3 trilhões (cerca de R$ 23,2 trilhões), o que significa 92,3% de todas as riquezas produzidas por lá em um ano, ou seja, do Produto Interno Bruto (PIB). É necessário esclarecer que os números abrangem apenas os débitos públicos. O endividamento total do país (governos, empresas e indivíduos) é bem maior. Equivalia em 2009, segundo dados do FMI, a cerca de US$ 49 trilhões, ou 4/5 do PIB mundial.

Esta não é a primeira vez, e certamente não será a última, que o dilema (de aumentar o teto da dívida pública) é apresentado ao congresso dos EUA. A questão envolve interesses contraditórios e tem múltiplos aspectos. O endividamento cresceu de forma extraordinária nos últimos anos em função da resposta das autoridades econômicas à crise, que implicou numa brutal elevação das despesas públicas e emissões bilionárias de papel-moeda.

Intervenção ineficaz

A intervenção do Estado, voltada basicamente para o resgate de bancos e banqueiros falidos, não revelou eficiência no combate à crise econômica ou pelo menos da chamada economia real. O índice de desemprego continua elevado (voltou a subir em junho para 9,2%), sinalizando uma economia estagnada e em desaceleração mais de três anos após o início da chamada Grande Recessão, no final de 2007.

É neste contexto que ocorrem os conflitos em torno do nível de endividamento e controle do déficit público. Preocupado com a economia, que pode determinar seu destino nas eleições presidenciais do próximo ano, Obama quer reduzir os cortes e aumentar os impostos das camadas mais ricas da população.

Silêncio sobre gastos militares

Os republicanos querem mais cortes e menos impostos para os poderosos. Parece uma polêmica entre esquerda e direita, conservadores e progressistas, mas não é este o caso. Os gastos militares do império, que ascendem a mais de US$ 1 trilhão de acordo com alguns especialistas, não são questionados por democratas ou republicanos, muito embora pesquisa recente revele que mais de 70% dos contribuintes norte-americanos são contra a intervenção militar do império em outros países, como acontece nesses dias na Líbia, Afeganistão e Iraque.

Não restam dúvidas que os Estados Unidos, bem mais que Grécia e Portugal, estão excessivamente endividados. A dívida, negligenciada por alguns economistas iludidos pelo suposto poder do dólar, é o pano de fundo da crise que se instalou em 2007 e contaminou o mundo, desdobrando-se nos dramas que estão em curso na zona euro.

Superconsumo e superprodução

O excesso de endividamento foi fomentado pela política monetária do país, marcada por juros negativos, já na gestão de Alan Greenspan no banco central e especialmente a partir da recessão de 2001, quando a taxa básica foi reduzida a 1%. O crédito, farto, barato e fácil, alimentou a bolha imobiliária e o consumismo desbragado da sociedade, resultando no que chegou a ser caracterizado como “crise do subprime” (hipotecas com alto risco de inadimplência).

Com ampla liquidez, o sistema financeiro emprestou até a quem não tinha renda, emprego ou patrimônio. Isto alavancou, a um só tempo, o superconsumo interno e a superprodução mundial de mercadorias. O processo de reprodução ampliada do capital em todo o mundo foi fortemente influenciado pela dívida e o déficit comercial norte-americano transformou-se numa via privilegiada para a realização de capitais estrangeiros de diferentes origens (Japão, Alemanha, China). A hipertofria do sistema financeiro, chamada por alguns de "financeirização da economia", também tem a ver com os débitos do império.

Com a crise, chegou também a hora da verdade, pois esta funciona, em certa medida, como um purgante para a economia enferma, impondo o ajuste interno e um maior equilíbrio entre poupança, consumo e investimentos. Mas a mão forte do Estado imperialista foi acionada em sentido contrário, inclusive impedindo a destruição de capital fictício.

Parasitismo

A dívida reflete o crescente parasitismo da economia americana, que ainda hoje vive bem além dos próprios meios que produz, à custa de trabalho alheio (no caso, de outros povos). É produto do hiato entre a poupança interna (“chocantemente baixa” segundo Joseph Stiglitz) e os investimentos, preenchido pelo capital estrangeiro. Compreende-se, portanto, que mais de dois terços da dívida pública do país seja dívida externa.

Não foram apenas economistas renomados que compraram e difundiram a falsa ideia de que os EUA não deviam se preocupar com dívidas, pois mantêm o poder de emissão da moeda mundial. Os governantes também se iludiram e não vacilaram em estimular o parasitismo. Certamente a posição especial do dólar na economia mundial favoreceu ilusões e permitiu a acumulação de déficits externos que já teriam levado qualquer outro país do mundo à bancarrota.

As autoridades apelaram à emissão para resgatar títulos do Tesouro. Isto produziu inflação no mundo e apressou a desmoralização do dólar, mas não tirou a economia estadunidense do pântano. A crise do capitalismo americano é profunda e estrutural. Sinaliza o esgotamento da ordem econômica internacional, fundada com base na realidade que emergiu após a 2ª Guerra Mundial e ancorada na hegemonia dos EUA e supremacia do dólar. O mundo mudou e o império já não é o mesmo. A necessidade de uma nova ordem mundial não é apenas um desejo dos povos. É um imperativo candente dos novos tempos.

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=158544&id_secao=2

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Coisa Julgada: STF pode rever ação encerrada há 20 anosEstudante de Direito move ação com base em lei que garante o DNA para carentes

Por: Nádia Guerlenda Cabral

O Supremo Tribunal Federal deve julgar hoje se um processo que transitou em julgado (sem possibilidade de recurso) há mais de 20 anos pode ser retomado.

Trata-se de uma investigação de paternidade movida pelo estudante de direito Diego Schmaltz, 30, de Brasília (DF). O processo original, de 1989, foi julgado improcedente porque o exame de DNA era caro

demais para a mãe de Diego pagar.

O juiz, à época, considerou as demais provas insuficientes. Em 1996, porém, novo processo foi ajuizado, baseado em uma lei distrital do mesmo ano que estabeleceu que o Poder Público deveria custear o exame para quem não pudesse pagar.

A defesa do suposto pai de Diego, entretanto, afirmou que uma nova ação feriria o instituto da "coisa julgada" - decisões que não podem mais ser recorridas nem revistas em uma outra ação.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal acolheu o argumento e considerou que uma nova ação geraria "intranquilidade social" por afetar a segurança jurídica, que pode ser traduzida como a confiança do cidadão nas decisões judiciais.

REPERCUSSAO GERAL

É a primeira vez que o STF vai tratar do tema "relativização da coisa julgada" -o resultado de uma ação pode ser mudado quando não há mais recursos, se violado um direito fundamental?

No caso de Schmaltz, é alegado o direito à dignidade humana. "As pessoas têm direito de conhecer sua origem, têm direito ao nome", afirma Marcus Aurélio de Paiva, advogado de Schmaltz.

O tribunal reconheceu a repercussão geral da questão em casos de ações de paternidade negadas por que uma das partes não tinha condições materiais para produzir a prova.

Segundo os advogados Cândido da Silva Dinamarco e Bruno Carrilho Lopes, o que for decidido hoje dificilmente será estendido a outros casos, mesmo que envolvam direitos fundamentais.

"Relativizar a coisa julgada em nome de outro princípio de mesma magnitude não significa desprezá-la. Porém, se o STF ampliar a solução para outros casos, sem analisar os dados concretos, arriscará a segurança jurídica", afirma Dinamarco.

Apesar de ser a primeira vez que chega ao STF, a questão não é nova: segundo Lopes, o STJ vem admitindo a relativização da coisa julgada em processos parecidos.

O relator do processo, ministro Antônio Dias Toffoli, votou a favor do recurso em 7 de abril. O julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Luis Fux.

A Procuradoria-Geral da República já emitiu parecer favorável a Schmaltz.

Segundo a subprocuradora-geral da República, Sandra Cureau, "não é possível admitir que o formalismo jurídico retire de um indivíduo o direito de saber quem é seu ancestral."

Fonte: http://www.jusbrasil.com.br

domingo, 29 de maio de 2011

Discurso proferido no I Congresso Internacional de Direito e Marxismo

O PROJETO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, NA PERSPECTIVA DO SOCIALISMO

Por: Matheus Felipe de Castro*

Conferência pronunciada no I Congresso Internacional de Direito e Marxismo, em Caxias do Sul/RS, aos 28/03/2011

Senhoras e Senhores: é uma grande felicidade participar de um evento inédito no Brasil como este. Com certeza será o primeiro de muitos e, no futuro, poderei dizer que estive presente neste momento tão importante da história. Por outro lado, é uma grande responsabilidade falar entre os mestres de uma vida toda, professores Michel Miaille, Oscar Correas, Antônio Wolkmer, dentre tantos outros. Só posso agradecer aos organizadores pela oportunidade que me concederam.

Estamos num congresso sobre marxismo e direito e não poderíamos iniciar esta fala senão mergulhando naquilo que é o núcleo da teoria da práxis, uma teorização engajada na transformação efetiva do mundo: “Os filósofos de todos os tempos pensaram o mundo. A questão agora é transformá-lo”, já dizia Marx em sua famosa 11ª Tese sobre Feuerbach.

Ora, cada época histórica tem suas próprias conjunturas, suas próprias formas de luta. O marxismo, como instrumento de luta, parte da análise concreta da situação concreta do Modo Capitalista de Produção, que também não é homogêneo, mas ditado por circunstâncias nacionais, geopolíticas, culturais, dentre tantas outras.

As formas de luta não são aquelas que queremos ou escolhemos, mas as que as condições objetivas colocam à nossa frente. Portanto, fugindo de todo idealismo, nós, juristas engajados com a transformação efetiva da sociedade em que nos inserimos, vivemos nos perguntando: teria a constituição jurídica algum papel emancipador num regime dominado pela lógica do capital?

Minha resposta é: NENHUM! A constituição não são meras folhas de papel (F. Lassalle) e se assim for vista, não passa de um documento morto, sem vida. A constituição não é uma coisa, mas uma relação social viva e juridicizada e mais que isso, uma relação de poder entre as forças sociais em embate numa sociedade concreta.

A constituição pode ser um instrumento emancipador para um povo se ela é apoderada como tática concreta de luta por forças sociais interessadas na mudança. Forças sociais que a utilizam como uma tática em prol da realização de uma estratégia, ou seja, um caminho que se vai construindo com o caminhar para a efetivação da meta traçada.

Ela, a constituição, se realiza mediante a luta concreta de homens e mulheres, dos movimentos sociais e dos partidos políticos compromissados com a transformação social para um mundo melhor. Portanto, o que muda o mundo são os homens, não os textos, que são o produto da significação que damos ao mundo que nos cerca.

Diante disso, caberia perguntar, afinal, o que é a Constituição de 1988? Por acaso seria um retrato da realidade brasileira existente naquele momento, ao fim da Ditadura Militar? Ou seria a expressão do horizonte de aspirações possíveis que um povo se deu num momento histórico, como queria o grande Celso Furtado? Um projeto para o futuro e não um retrato do passado.

Os constituintes de 1988 diagnosticaram uma sociedade marcada por profundas disparidades internas e crônicas vulnerabilidades externas, que fazem sofrer ao povo brasileiro na medida em que atravancam o desenvolvimento nacional, a consolidação da soberania e a realização dos ideais democráticos, políticos e econômicos.

Diante desse diagnóstico, traçaram um avançado projeto de superação dessas condições arcaicas, como futuro radiante de um povo que há 500 anos luta pelo seu lugar ao sol, pela superação de sua condição subdesenvolvida e dependente, num mundo dominado por grandes potências imperialistas e pela exploração capitalista.

Pergunto: esse horizonte de aspirações, traçado na Constituição de 1988, pode jogar algum papel na construção de uma sociedade soberana, desenvolvida, livre, justa, solidária e por que não, socialista? Quero acreditar que sim!

O Brasil é uma nação saída do colonialismo, formada a partir do velho esquema assimétrico de poder centro/periférico e sofre até os dias atuais com as heranças do passado: fome, pobreza, marginalização, analfabetismo, desigualdades sociais e regionais, desemprego, etc.

O projeto de desenvolvimento nacional previsto na Constituição de 1988 é um projeto tático que cria condições para superar esse quadro de profundas disparidades internas e vulnerabilidades externas que fazem sofrer o povo brasileiro.

Tanto isso é verdade que a CF/88 foi violentamente atacada pelo neoliberalismo, recortada e remendada mediante dezenas de emendas constitucionais que tentaram alterar o seu significado para a nação e o povo brasileiros.

Mesmo assim, esse ataque não foi capaz de alterar o seu sentido, porque mudam-se os textos legais, mas os sentidos, os significados são dados por nós, pelas nossas aspirações e compreensões do mundo, pela nossa luta concreta em torno da superação de nossos desafios.

Inclusive, o presidente da República, Sr. José Sarney, à época, assinou a carta de 1988 resmungando: “tornará o país ingovernável”, profecia que acabou não sendo realizada. É que a grande contradição da Constituição de 1988 foi ter nascido com inspirações keynesianas num momento de ascensão do neoliberalismo.

Mas a história não acabou, como queria Fukuyama! O mundo deu voltas e mais voltas. O poderio norte-americano entrou em tendencial declínio. O mundo tendeu do bipolarismo da Guerra Fria e do unipolarismo neoliberal ao multipolarismo depois da recuperação das economias alemã e japonesa, e principalmente do ascenso da China, da Índia, da Rússia e, agora, do Brasil, ocupando posições de destaque no conserto das nações.

O Brasil realizou esforços consideráveis para superar, ainda que relativamente, a herança neoliberal: muito ainda há por fazer. Construiu, principalmente na última década, as condições materiais para a realização do projeto tático de bem-estar social que a Constituição de 1988 previu.

O desenvolvimento é fundamental para o Brasil romper seus velhos laços de subdesenvolvimento e dependência, possibilitando a construção de uma sociedade auto-determinável. Ele, o desenvolvimento, sacode e altera as velhas correlações de força na sociedade e permite ao país romper a velha submissão ao imperialismo, principalmente norte-americano, que nos assola há mais de século.

Agora à pouco eu me referia ao esquema centro/periférico e é necessário dizer que o capitalismo brasileiro, como nos ensinou Celso Furtado, não se formou somente através da lógica capital x trabalho, mas também através da lógica centro/periferia e eu não tenho dúvidas que o imperialismo que daí deriva é o maior inimigo dos povos que querem encontrar o seu próprio caminho, inclusive para além do capital.

Senhoras e senhores: eu não tenho dúvidas que o projeto de desenvolvimento nacional da Constituição de 1988 é um projeto de bem-estar, portanto, com natureza tática. Mas também não tenho dúvidas que, implementado imediatamente no Brasil, tem potencial verdadeiramente emancipador para o povo brasileiro.

A Constituição brasileira não prometeu o socialismo, como o fez a Constituição portuguesa. De nada adiantaria fazer meras promessas! A questão é passar ao ato, à práxis de transformação revolucionária da sociedade, que nenhum texto morto é capaz de promover ou impedir.

De qualquer forma, a Constituição previu profundas alterações qualitativas para a sociedade que abrem caminho para a construção da alternativa socialista. Não somos adeptos da teoria do “quanto pior melhor”. Pelo contrário, o povo brasileiro quer qualidade de vida e bem-estar, o que só será alcançado se o projeto constitucional for percebido em sua natureza tática, mergulhando e tomando de assalto o coração das massas.

E se uma ampla coalizão de forças populares for capaz de comandar o Estado brasileiro, democratizando-o, fortalecendo-o em seus instrumentos de intervenção econômica, em seus instrumentos previdenciários e sociais e, enfim, em seus instrumentos redistribuidores, colocando-o (o Estado) como instrumento do povo, para o povo e pelo povo real, não tenho dúvidas que poderemos ganhar os corações e as mentes do povo brasileiro para a grande ruptura que se faz necessária.

Portanto, a constituição não é, definitivamente, uma coisa. Ela é um processo de profundas transformações nas relações de poder. Ela não é uma coisa, mas uma luta e uma meta a ser alcançada porque na atual conjuntura o projeto dela representa melhorias reais na vida do povo brasileiro.

As constituições nascem para morrer. Não devem ter vida eterna. Por isso, precisamos, enfim, realizar a Constituição de 1988 para que seu projeto tático se torne obsoleto e coloque a necessidade um novo projeto civilizacional ainda mais avançado que aquele que está ali previsto, ou seja, a necessidade de uma nova constituição, quem sabe, se formos fortes o bastante para isso, uma constituição socialista!

Muito obrigado a todos e a todas.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

DIREITO E MORAL(ismo)!

PRESO. SAÍDA TEMPORÁRIA. VISITAÇÃO. RELIGIOSO. Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública estadual em favor de paciente condenado à pena de 30 anos pela prática do crime de estupro seguido de morte (arts. 214 c/c 223, parágrafo único, e 61, II, d, todos do CP) que, após sua transferência para o regime semiaberto, busca saída temporária para visitar agente religioso, o qual o aconselhou na prisão por cerca de cinco anos. O juiz de execução negou o pedido; houve agravo em execução, mas o tribunal a quo negou provimento por tratar-se de visita a amigo em vez de a familiar. Naquela instância, ainda houve os embargos infringentes que foram rejeitados. Na impetração, ressalta-se a existência de parecer da comissão técnica favorável à saída temporária relacionada à atividade religiosa. Para o Min. Relator, apesar da impossibilidade de enquadramento do pedido da impetração no inciso I do art. 122 da Lei de Execuções Penais (LEP) por não se tratar de visita à família, o pleito da Defensoria não se restringiu ao enquadramento do inciso I, mas abrangeu também o inciso III, ao afirmar, entre outros questionamentos, que a visitação ao conselheiro religioso concorrerá para o retorno do paciente ao convívio social. Também o Min. Relator considera ser relevante a informação dos autos de que o amigo missionário logrou converter o paciente à vida religiosa, visto que essa adesão e estima aos preceitos religiosos contribui para desenvolver a noção dos fundamentos morais essenciais a uma vida social apropriada. Ainda destaca o fato de a pessoa a ser visitada ter mantido auxílio espiritual ao paciente por período prolongado e habitualidade, a demonstrar a seriedade do trabalho do religioso. Assim, afirma que a convivência com o missionário oportunizará o fortalecimento dos ensinamentos morais, além de possibilitar a demonstração da recompensa advinda do interesse em acolher uma vida ética e digna. Tudo isso deve ser considerado como atividade que irá efetivamente contribuir para o retorno do paciente ao convívio social. HC 175.674-RJ, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 10/5/2011.

Bresser-Pereira: PSDB se tornou o partido da direita e dos ricos



O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira acaba de eliminar seu último vínculo com a política institucional: declarou-se desligado do PSDB — que, segundo ele, caminhou de forma definitiva para a direita ideológica. O desligamento partidário marca também o retorno do intelectual à sua origem desenvolvimentista.
Em entrevista a Maria Inês Nassif, do Valor Econômico, Bresser-Pereira admite que não escapou à sedução do neoliberalismo, nos anos 90. Mas define uma diferença de origem entre ele e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como intelectuais: o nacionalismo. Segundo o ex-ministro, a teoria da dependência associada, de Fernando Henrique, caiu como uma luva para a esquerda americana — não por intenção do autor mas por conveniência do “império”.

No governo, FHC não se contradisse: a teoria da dependência associada pregava o crescimento do país com capital externo. O caráter não nacionalista dos governos tucanos era absolutamente compatível com a teoria da dependência associada do intelectual Fernando Henrique.

Leia abaixo trechos da entrevista.

Valor: O senhor está onde sempre esteve?
Luiz Carlos Bresser-Pereira: No governo Fernando Henrique, ou nos anos 90, a hegemonia neoliberal foi muito violenta. Foi tão violenta que também atingiu a mim. Não escapei dela. Logo que saí do governo, publiquei um livro chamado A Crise do Estado. Aí, resolvi publicá-lo em inglês e revi o livro todo, de forma que, quatro anos depois, ele foi publicado em inglês.

Quando isso aconteceu, já estava entusiasmado com a vitória do Fernando Henrique e influenciado pelas ideias liberais. Não tinha me tornado um neoliberal de forma nenhuma, tenho certeza disso — mas estava mais perto do neoliberalismo do que estou hoje.

Valor: Caiu no conto da globalização?
Bresser-Pereira: Um pouco. Não totalmente, mas ninguém é de ferro. O grande problema da social-democracia é que ela se deixou influenciar, no mundo inteiro. A Terceira Via, por exemplo, hoje tão criticada, tinha um grande intelectual como Anthony Giddens por trás dela, um homem de centro-esquerda. Foi nesse estado de espírito que entrei no governo Fernando Henrique.

Mas também foi lá que tomei um susto. Eu estava fazendo a reforma gerencial, que era uma reforma essencialmente para fortalecer o Estado social, pois era a reforma dos serviços sociais e científicos do Estado. Mas fiquei surpreso com duas coisas dentro do governo: uma, que não havia nenhuma perspectiva nacional, não havia nenhuma distinção entre empresa nacional e estrangeira.

Muito pelo contrário: Fernando Henrique dizia forte e firmemente que não havia essa diferença, que era tudo rigorosamente igual — e isso é bobagem, é coisa que os americanos e europeus contam para nós, mas nunca praticaram. Aquilo me deixava muito incomodado. E a outra coisa que me deixou muito incomodado foi a política econômica.

Valor: Do ponto de vista acadêmico, o senhor não se considera da mesma escola que Fernando Henrique?
Bresser-Pereira: Fui dar uma aula em Paris, na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, e aí o Afrânio Garcia, um antropólogo que substituiu Ignacy Sachs na direção de um centro sobre o Brasil, e mais um cientista político do Rio Grande do Sul, o Hélgio Trindade, fizeram comigo uma entrevista para uma pesquisa, em outubro de 2003. Num certo momento, disse a eles: “Não sou da escola de sociologia de São Paulo, sou da escola do Iseb”. O Afrânio disse: “O quê?”. Era uma surpresa para ele.

Eu me formei a partir do pensamento do Celso Furtado, do Inácio Rangel — o Celso Furtado não foi do Iseb, mas era da Cepal, e a Cepal cepalina era estruturalista, como o Iseb. É claro que fiquei amigo da escola de sociologia de São Paulo, a escola do Florestan Fernandes e do Fernando Henrique, que vai dar na teoria da dependência, mas não tenho nada a ver com isso. Quando eu disse isso, o Afrânio pediu para eu fazer um seminário. Fiz dois papers. Um, que se chama “O conceito de desenvolvimento do Iseb” e outro, mais interessante, que se chama “Do Iseb e da Cepal à teoria da dependência”, em que vou fazer a crítica da dependência.

Valor: Isso foi em que ano?
Bresser-Pereira: Foi em 2004. Para fazer esse paper, fui rever as ideias do Fernando Henrique. Eu sabia que ele tinha deixado de ser esquerda, mas eu também tinha deixado um pouco de ser esquerda. Eu continuava um pouco e ele tinha deixado de ser mais do que eu. Mas o que não era claro para mim era a parte nacionalista, a parte de poupança externa, essas coisas.

Aí fui ler outra vez o livro clássico dele e do Enzo Faletto (Dependência e Desenvolvimento na América Latina). E vi que Fernando Henrique estava perfeitamente coerente. O que é a teoria da dependência? É uma teoria que vai se opor à teoria cepalina, ou isebiana, do imperialismo e do desenvolvimentismo, que defende como saída para o desenvolvimento uma revolução nacional, associando empresários, trabalhadores e governo, para fazer a revolução capitalista. O socialismo ficava para depois.

A teoria da dependência foi criada pelo André Gunther Frank, um notável marxista alemão que estudou muitos e muitos anos na Bélgica e que em 1965 publicou um pequeno artigo chamado “O desenvolvimento do subdesenvolvimento”, brilhante e radical. É a crítica à teoria da revolução capitalista, à teoria da aliança da esquerda com a burguesia. É a afirmação categórica de que não existia, nunca existiu e nunca existiria burguesia nacional no Brasil ou na América Latina.

No Brasil, os seguidores de Gunther Frank eram o Ruy Mauro Marini e o Teotônio dos Santos, mas no final, e curiosamente, o seguidor deles mais ilustre vai ser o Florestan Fernandes maduro. Eles concordam que não existe burguesia nacional. Quando a burguesia nacional é compradora, entreguista, associada ao imperialismo, a única solução é fazer a revolução socialista. É bem louco, mas é lógico.

Aí vieram o Fernando Henrique e o Enzo Faletto e disseram que havia alternativa, a dependência associada. Ou seja, as multinacionais é que seriam a fonte do desenvolvimento brasileiro, cresceríamos com poupança externa. Era a subordinação ao império. Claro que o império ficou maravilhado. A teoria da dependência foi um grande sucesso — os outros liam e faziam suas interpretações.

Na prática, era uma maravilha: a esquerda americana, que se reúne nas conferências da Latin America Student Association, nos Estados Unidos, encontrava um homem democrático de esquerda que via nos Estados Unidos um grande amigo na luta pela justiça social. Quando fiz essa revisão, estava começando a romper com o PSDB.

Valor: E quando o senhor chegou ao PSDB?
Bresser-Pereira: Em 1988, fui um dos fundadores do PSDB. Na época da fundação, o Montoro não queria o nome de social-democracia para o partido, porque tinha origem na democracia cristã, que a vida inteira tinha lutado contra os social-democratas na Inglaterra, na Alemanha e na Itália. Nós ganhamos, pelo fato de sermos centro-esquerda.

Mas aí ele dizia: “Muito bem, mas e se esse bendito PT, que se diz revolucionário, que tem propostas para a economia brasileira completamente irresponsáveis, chega no poder ou perto do poder e se domestica, e se torna social-democrata, como aconteceu na Europa? Eles têm toda uma integração com os trabalhadores sindicalizados, que nós não temos, então nós vamos ser empurrados para a direita”. E foi isso que aconteceu.

Valor: Quando o senhor considera que o PSDB começa essa trajetória para a direita?
Bresser-Pereira: O Fernando Henrique teve dois azares: o primeiro foi que governou o país no auge absoluto do neoliberalismo, enquanto Lula governou no momento em que o neoliberalismo começa a entrar em crise; e o segundo é que seu governo não gozou do aumento dos preços das commodities de que o Lula desfrutou.

Mas o fato concreto é que no governo Fernando Henrique o partido já caminhava para a direita muito claramente. Daí o PT ganhou a eleição e assumiu uma posição de centro-esquerda, tornou-se o partido social-democrata brasileiro — e o PSDB, naturalmente, continuou sua marcha acelerada para a direita. Nas últimas eleições, ele foi o partido dos ricos. Isso, desde 2006.

É a primeira vez na história do Brasil que nós temos eleições em que é absolutamente nítida a distinção entre a direita e a esquerda, ou seja, entre os pobres e a classe média e os ricos. E um partido desse não me serve, seja pela minha posição social-democrata, seja pela minha posição nacionalista econômica — tenho horror profundo e absoluto do nacionalismo étnico.

Acho que a globalização é uma grande competição em nível mundial, quando todos os mercados se abriram, e passou a haver uma competição global não apenas das empresas, mas dos países. E você precisa, mais do que nunca, uma estratégia nacional de desenvolvimento.

Valor: Retomar a ideia de nação, que ficou meio apagada nos anos 90?
Bresser-Pereira: Isso, retomar a ideia de nação. E a própria ideia de centro-esquerda, que ficou um pouco apagada nesse período. Às vezes me perguntam: “Se você não é mais um membro do PSDB, foram eles que mudaram ou você?”. Fomos os dois. Eles mudaram mais para a direita e eu mudei um pouco mais para a esquerda. Recuperei algumas ideias nacionalistas que achava muito importantes.

Valor: A quem isso serve?
Bresser-Pereira: Isso é muito claro. Eu uso uma frase do Jacques Rancière, sociólogo político francês, de esquerda, sobre o ódio à democracia. A democracia sempre foi uma demanda dos pobres, dos trabalhadores, de classes médias republicanas, nunca foi dos ricos. Os ricos odeiam a democracia, embora digam que defendem. Eles sabem que a democracia não vai expropriá-los, que a ditadura da maioria não vai expropriá-los — mas eles continuam liberais e, se não têm ódio, pelo menos têm medo da democracia.

E qual a melhor forma de neutralizar a democracia? São duas. Uma é fazer campanhas eleitorais muito caras. Então, financiamento público de campanha, jamais. Rico não aceita isso em hipótese alguma. A outra estratégia é desmoralizar os políticos.

Uma coisa clara é que a corrupção existe porque o capitalismo é essencialmente um sistema corrupto e os capitalistas estão permanentemente corrompendo o setor público. É fácil verificar quem são os servidores públicos mais corruptos. Quem corrompe professor universitário? Ninguém. E quem corrompe delegado de polícia?

É claro que tem um monte de gente interessada em corromper delegado de polícia, fiscal da Receita. Os fiscais da Receita não são intrinsecamente mais desonestos que os professores. Fizeram concursos mais ou menos igualmente, são pessoas igualmente respeitáveis — só que uns são submetidos a processos de corrupção por parte das empresas; outros, não.

Valor: O que o senhor acha do Bolsa Família?
Bresser-Pereira: Acho uma maravilha. Sempre acreditei piamente na competição. Quando pensava naquela emenda da Revolução Francesa — Liberdade, Igualdade e Fraternidade —, eu entendia perfeitamente as ideias de liberdade e igualdade, mas a fraternidade eu achava simplesmente simpática. Nesses últimos anos, todavia, descobri que é absolutamente fundamental.

Na sociedade em que vivemos, existe uma quantidade muito grande de pessoas cuja capacidade de competir é muito limitada. Mesmo que tenha educação, por características pessoais, geralmente de equilíbrio emocional, às vezes de inteligência, essas pessoas não são capazes de se defender da competição como devem. E aí que entra a fraternidade.

O Bolsa Família é um mecanismo altamente fraterno. O Lula sabe da necessidade da fraternidade, da solidariedade — a vida dele deve ter lhe ensinado. Ele é perfeitamente capaz de competir por conta dele, isso é evidente. Mas sabe a importância da solidariedade.

Fonte: Valor Econômico

terça-feira, 17 de maio de 2011

MAIS CHARGES DO FMI


Vejam como um indivíduo pode ser condicionado pela instituição a que faz parte!



AMOR E REVOLUÇÃO: CARLOS EUGÊNIO DA PAZ

AMOR E REVOLUÇÃO: CARLOS MOLINA

AMOR E REVOLUÇÃO: FRANCISCO DE OLIVEIRA

AMOR E REVOLUÇÃO: JÚLIO SENRA

AMOR E REVOLUÇÃO: MARIA AMÉLIA TELES

AMOR E REVOLUÇÃO: CRIMÉIA ALMEIDA

AMOR E REVOLUÇÃO: ROSE NOGUEIRA

AMOR E REVOLUÇÃO: JARBAS MARQUES

AMOR E REVOLUÇÃO: JOSÉ DIRCEU

AMOR E REVOLUÇÃO: ANTÔNIO CARLOS FON

AMOR E REVOLUÇÃO: MARIA DO SOCORRO

domingo, 15 de maio de 2011

Miguel Urbano Rodrigues: terrorismo é componente da política dos EUA



Comentando o assassínio de Bin Laden, Michael Moore escreveu no Twiter: “Matamos mais de 919 mil no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, etc., e gastamos 1,2 bilhão de dólares em despesas militares, e, finalmente, conseguimos assassinar mais uma pessoa”.

A operação militar que eliminou o líder da mítica Al Qaeda confirmou uma realidade: o sistema de poder dos EUA, na sua ânsia de dominação planetária, pratica uma política internacional na qual o terrorismo de Estado se tornou componente fundamental. Os EUA comportam-se como candidatos a surgir na História como o 4º Reich do século 21.

A “operação Gerônimo” - nome que insulta a memória do herói apache - foi o desfecho de um projeto concebido com minúcia científica pela Administração Obama. Anunciada a candidatura do presidente à reeleição, faltava somente marcar uma data.

A CIA sabia há muito onde ele se encontrava. Acompanhava-lhe os movimentos diários na residência de Abotabad através de sofisticados aparelhos eletrônicos e os contactos dos seus mensageiros com o exterior, recorrendo inclusivamente a satélites. O Pentágono e os serviços de inteligência conheciam os nomes de todas as pessoas que viviam com Bin Laden.

O novelo de contradições que envolve o folhetim da morte do “inimigo número 1” dos EUA não resulta de desinformação. Foi concebido para semear confusão e transmitir a ideia de que Obama, agindo como democrata, transmitia ao povo norte-americano informações sobre a “operação militar” logo que as recebia.

Mentia conscientemente, como demonstraram em importantes artigos intelectuais progressistas como Michel Chossudovsky, Noam Chomsky, James Petras, Domenico Losurdo, John Pielger, e outros.

O presidente, aliás, apresentou diferentes versões dos fatos nas entrevistas às três grandes cadeias de TV, a ABC, a CBS e a CNN. Inicialmente, afirmou que, ao dar a ordem para o ataque à casa de Abotabad, as probabilidades de Bin Laden ali se encontrar eram de 99,9%; mas na última entrevista essas probabilidades caíram para 55%. A encenação foi muito estudada.

O elogio do presidente à CIA e ao seu chefe foi encomiástico. Foi ele quem tudo preparou e dirigiu. Leon Panetta, nas suas entrevistas, não escondeu, porem, que a CIA torturou prisioneiros para obter informações decisivas para a localização de Bin Laden. Interrogado sobre os métodos utilizados nos interrogatórios, defendeu, quase com orgulho, o recurso à tortura e justificou o “afogamento simulado”. Falou com a frieza serena de um gauleiter nazi.

Obama logo que viu as fotos do cadáver de Bin Laden decidiu que não seriam divulgadas. Sabia que elas provocariam uma onda de indignação no mundo islâmico. Mas afirmou então que hesitava e iria refletir. Depois, proibiu a entrega das fotos à comunicação social.

Talvez não esperasse que as imagens de três corpos despedaçados de homens abatidos durante o assalto fossem entregues aos jornalistas pelo Exército do Paquistão.

A rapidez da retirada dos comandos da Marinha do edifício metralhado – levaram somente o cadáver de Bin Laden e o do neto – criou porem, problemas imprevistos à Casa Branca. As mulheres estavam com as mãos amarradas como se fossem animais. OS sobreviventes encontrados pelos militares paquistaneses – uma das esposas estava ferida – falaram muito e as suas declarações forçaram Obama e o Pentágono a apresentar nova versão da “brilhante operação Gerônimo”. Reconheceram que, afinal, Bin Laden estava desarmado. Teria sido abatido quando procurava uma pistola, ou, segundo outros, uma metralhadora. O folhetim dos “escudos humanos” também não resistiu a evidências resultantes do interrogatório das testemunhas do massacre. Uma das esposas de Bin Laden, a jovem iemenita Amal Abdulfatah, esclareceu que o marido vivia no Paquistão há sete anos, cinco dos quais na casa de Abotabad e não nas montanhas afegãs, como repetidamente garantia o governo de Washington.

Na sua primeira comunicação ao país, Obama afirmou que a operação, por ele acompanhada da Casa Branca, durou 40 minutos e que o efetivo da “força elite” da Marinha não excedia 20 homens. Mas, posteriormente, altos funcionários civis e militares referiram totais diferentes. Não foi dada uma explicação credível para uma ação armada tão prolongada contra uma casa cujos poucos moradores não opuseram resistência.

Assessores do Presidente e a Marinha repetiram exaustivamente que Bin Laden tinha sido sepultado no mar no respeito dos ritos islâmicos. É insólito o súbito respeito pela religião muçulmana; mas acontece que o Corão não permite sepultamentos marítimos. Os filhos do morto já informaram que pensam processar o Estado norte-americano por mais essa ofensa à sua fé.

Outro tema que ridiculariza a versão oficial dos acontecimentos, e envolve a CIA e o Pentágono num labirinto de mentiras, criou já problemas no campo das relações dos EUA com o Paquistão.

O governo Obama tem, na prática, tratado aquele país como um protetorado de novo tipo. Os bombardeamentos de aldeias do Waziristão por aviões sem piloto da USAF tornaram-se rotineiros. Islamabad limita-se a tímidos protestos quando os mísseis estadunidenses matam camponeses da região. Mas desta vez o desrespeito pela soberania paquistanesa atingiu tais proporções com a intervenção militar concebida para assassinar Bin Laden que a vaga de indignação no país foi maiúscula.

A reação do presidente Asif Zardari foi, porém, suavíssima. Porquê? Ficou transparente que o Exercito do Paquistão e o seu serviço secreto estavam ao corrente da instalação do chefe da Al Qaeda em Abotabad. A sua casa dista apenas umas centenas de metros da sede da Academia Militar do país. Trata-se de uma cidade de guarnição, com vários quartéis. Alguns media estadunidenses afirmaram que as Forças Armadas do Paquistão não somente conheciam a presença de Bin Laden, como o protegiam.

A rede de cumplicidades é, porém, tão densa que Tom Donilon, conselheiro de segurança nacional de Obama, levou a hipocrisia ao ponto de declarar aos jornalistas que não há “quaisquer provas” de que o Governo paquistanês tivesse conhecimento da presença no país de Bin Laden.

O farisaísmo do presidente Obama não é menor. Derramou elogios sobre a CIA, enaltecendo como grande e histórico serviço à democracia e à liberdade o massacre de Abotabad. Mais, deslocou-se à base militar para onde foram conduzidos os comandos da Marinha e condecorou-os numa cerimônia secreta. Os seus nomes não foram revelados, com receio de represálias, mas na apologia que deles fez guindou-os a heróis tutelares da Pátria.

Como recompensa, o diretor da CIA, Leon Panetta, foi nomeado secretário da Defesa. Simultaneamente, o general Petraeus, comandante supremo na área do Medio Oriente e do Afeganistão, foi transferido para a chefia da CIA…

Ao ler o elogio do senhor da CIA pelo Prêmio Nobel da Paz recordei a atribuição das cruzes de ferro nazis a generais das SS.

Obama, em exibição midiática permanente, anuncia ao mundo que os EUA utilizam o seu poder militar em defesa de valores e princípios eternos, cumprindo, afinal, a sua vocação de nação predestinada para salvar a humanidade.

Inverte a realidade com despudor. O sistema de poder imperial dos EUA desenvolve uma estratégia orientada para a dominação perpétua e universal, um projeto que ameaça a própria sobrevivência da humanidade.
A chacina de Abotabad inseriu-se nesse projeto monstruoso. Bin Laden – ex-aliado de Washington - foi um tresloucado que inspirava repulsa a centenas de milhões de pessoas. Mas as circunstancias em que se consumou a sua eliminação são inseparáveis dessa estratégia de controlo planetário.

É significativo que os bombardeamentos das áreas tribais do Paquistão por aviões não tripulados sejam agora quase diários. Na Líbia, a Otan continua a bombardear residências de Kadafi, afirmando que pretende “proteger as populações” no âmbito de uma “intervenção humanitária”.

O poder da gigantesca maquina de desinformação imperial impede os povos de compreenderem o perigo que os ameaça. A mentira é diariamente imposta como verdade a nível planetário.

É alarmante o que está a acontecer. Um dia a humanidade tomará consciência de que o sangrento episódio de Abotabad assinalou uma etapa no avanço de uma engrenagem cujo funcionamento traz à memória os crimes do 3º Reich alemão.


*Miguel Urbano Rodrigues é escritor português

Fonte: odiario.info

sexta-feira, 13 de maio de 2011

PIG: COMO SERIA A CAPA DE VEJA EM 13/05/1888?

Frase da Semana!

Reparassada, por e-mail, pelo professor Edmundo Arruda, da UFSC:

"Na última semana beatificamos um papa, casamos um príncipe, fizemos uma Cruzada e matamos um mouro: Bem vindos à Idade Média !!!!"

E tem gente que teima em afirmar que a história não é cíclica!

domingo, 8 de maio de 2011

Carta de um Nobel da Paz a Barack Obama



Por Adolfo Pérez Esquivel*, em Carta Maior

Estimado Barack, ao dirigir-te esta carta o faço fraternalmente para, ao mesmo tempo, expressar-te a preocupação e indignação de ver como a destruição e a morte semeada em vários países, em nome da “liberdade e da democracia”, duas palavras prostituídas e esvaziadas de conteúdo, termina justificando o assassinato e é festejada como se tratasse de um acontecimento desportivo.

Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que saíram a apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça. Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida: o objetivo foi assassiná-lo.

Os mortos não falam e o medo do justiçado, que poderia dizer coisas inconvenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa que incrementá-la.

Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”.

No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Graib no Iraque. Não fez nada disso. Pelo contrário, decidiu começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAM e por uma vergonhosa resolução das Nações Unidas. Esse alto organismo, apequenado e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.

A base fundacional da ONU é a defesa e promoção da paz e da dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: “Nós os povos do mundo...”, hoje ausentes deste alto organismo.

Quero recordar um místico e mestre que tem uma grande influência em minha vida, o monge trapense da Abadia de Getsemani, em Kentucky, Tomás Merton, que diz: “a maior necessidade de nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que entope nossas mentes e converte toda vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem essa limpeza doméstica não podemos começar a ver. E se não vemos não podemos pensar”.

Você era muito jovem, Barack, durante a guerra do Vietnã e talvez não lembre a luta do povo norteamericano para opor-se à guerra. Os mortos, feridos e mutilados no Vietnã até o dia de hoje sofrem as consequências dessa guerra.

Tomás Merton dizia, frente a um carimbo do Correio que acabava de chegar, “The U.S. Army, key to Peace” (O Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam e destroem a paz”.
Acompanhei e compartilhei com os veteranos da guerra do Vietnã, em particular Brian Wilson e seus companheiros que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.

A vida tem esse não sei o quê do imprevisto e surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, reestabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra.

Se não reagirmos para mudar a situação atual de soberba suicida que está arrastando os povos a abismos profundos onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor. Você sabe que a esperança é como o lótus que cresce no barro e floresce em todo seu esplendor mostrando sua beleza.

Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, se sai por cima”.

E creio, Barack, que depois de seguir tua rota errando caminhos, você se encontra em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterra cada vez mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes corporações, pelo complexo industrial militar, e acredita ter todo o poder e que o mundo está aos pés dos EUA porque impõem a força das armas e invade países com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.

As atrocidades cometidas por teu país no mundo são tão grandes que dariam assunto para muita conversa. Isso é um desafio para os historiadores que deverão investigar e saber dos comportamentos, políticas, grandezas e mesquinharias que levaram os EUA á monocultura das mentes que não permite ver outras realidades.

A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gêmeas, o identificam como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o apontava como “o eixo do mal”. Isso serviu de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar necessitava para vender seus produtos de morte.

Você sabe que investigadores do trágico 11 de setembro assinalam que o atentado teve muito de “auto golpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévios de escritórios das torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da “liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são “danos colaterais”. Vivi isso no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico e no refúgio de crianças que foram vítimas desses “danos colaterais”.

A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de “morte” e que, por fim, os EUA “mataram” Bin Laden. Não trato de justificá-lo sob nenhum conceito, sou contra todas as formas de terrorismo, desde a praticada por esses grupos armados até o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para manter-se pelo terror no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?

Será que é por esse motivo que o povo dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles que chamam de “eixo do mal”? É simplismo e hipocrisia querer justificar o injustificável.

A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A Paz não é dada de presente, ela se constrói e isso é o que te falta meu caro, coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.

Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os EUA, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que assinam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas pretendem falar em nome da liberdade e do direito. Como pode falar de Paz se não quer assumir nenhum compromisso, a não ser com os interesses de teu país?

Como pode falar da liberdade quanto tem na prisão pessoas inocentes em Guantánamo, nos EUA e nas prisões do Iraque, como a de Abu Graib e do Afeganistão?

Como pode falar de direitos humanos e da dignidade dos povos quando viola ambos permanentemente e bloqueia quem não compartilha tua ideologia, obrigando-o a suportar teus abusos?

Como pode enviar forças militares ao Haiti, depois do terremoto devastador, e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?

Como pode falar de liberdade quando massacra povos no Oriente Médio e propaga guerras e tortura, em conflitos intermináveis que sangram palestinos e israelenses?

Barack, olha para cima de teu labirinto e poderá encontrar a estrela para te guiar, ainda que saiba que nunca poderá alcançá-la, como bem diz Eduardo Galeano. Busca a coerência entre o que diz e faz, essa é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.

O Nobel da Paz é um instrumento ao serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.

Te desejo muita força e esperança e esperamos que tenha a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da Paz.


* Adolfo Pérez Esquivel é Nobel da Paz de 1980.