"Nossa cultura é a macumba, não a ópera. Somos um país sentimental, uma
nação sem gravata"
(Glauber Rocha)


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Quer entender o que é Guerra Cambial e como ela te afeta?


Guerra Cambial é luta de classes em nível mundial

Por: Matheus Felipe de Castro

A grande sacada de Celso Furtado foi perceber que o capitalismo, em nível mundial, não havia se desenvolvido apenas através da lógica capital x trabalho assalariado, mas também sob uma relação a ela transversal: a relação centro x periferia. Assim como o capitalista, para produzir mais-valia (enriquecer) precisava explorar a força de trabalho do operário, as nações da Europa Ocidental e, depois, os EUA, precisavam criar complexas engenharias de transferência de excedentes (riquezas) para suas fronteiras, expoliando as nações localizadas na chamada periferia (primeiro, o roubo puro e simples de madeira, diamantes, ouro, depois o comércio internacional desigual, com a manutenção de suas vantagens comparativas tecnológicas e, por fim, através da financeirização econômica, que torna as nações centrais sócias de toda a produção mundial, recebendo seus dividendos na forma de juros de mercado).

A partir da década de 1970, com o fim do ciclo virtuoso do crescimento norte-americano e a crise do petróleo, os EUA, mediante profunda reengenharia de seu sistema econômico, pensada e efetivada pelo Estado, resolveram se tornar uma espécie de "banco" ou "agência reguladora" do mundo, mediante o controle dos fluxos de capital, através das políticas monetárias implementadas pelo FED (Federal Reserve, o Banco Central dos EUA), na mesma medida em que promoviam, deliberadamente, um processo de projeção de seu parque industrial para outras partes do mundo, com o fim de obter mão-de-obra mais barata do que a do povo americano.

O resultado disso tudo foi que os EUA financeirizaram sua economia, e por intermédio do FED passaram a controlar o vai-e-vem dos fluxos de capital mundial, tornando-se uma espécie de sócio da industrialização dos países periféricos, mediante o crédito fácil do mercado financeiro (fácil em termos, visto que o capital financeiro é uma espécie de "capital motel": entra numa nação periférica no início da noite, "f" com a economia local, se valoriza e de manhã vai embora a procura de novos mercados mais rentosos).

A China, à mesma época, percebendo o movimento norte-americano de desindustrialização/financeirização, chegaram a seguinte conclusão: "Se os EUA estão gestionando para se transformar no banco do mundo, restará um vácuo a ser ocupado por outra nação que aceite ser a fábrica do mundo, geradora de riquezas reais e não meramente fictícias". Foi o que aconteceu realmente, com a China se industrializando rapidamente, ao ponto de ter se tornado uma das mais importantes nações do jogo econômico mundial.

Mas como a bolha um dia estoura, e quando isso acontece os capitais fictícios tendem a se desvalorizar rapidamente com o fim de se equiparar às riquezas reais, quem trabalha com dinheiro (que é mero símbolo de troca entre mercadorias) segura o mico da desvalorização e quem trabalha com mercadorias, continua em posse de sua materialidade, aguardando que, passada a turbulência, os mercados voltem a consumir aqueles produtos reais.

Foi o que aconteceu na crise mundial que se iniciou em 2007: o mercado financeiro norte americano, inchado pela bolha imobiliária, havia concedido crédito fácil para o povo americano comprar imóveis que não podia pagar, e quando o nível de inadimplência subiu às alturas, a bolha explodiu e o dinheiro fictício se desvalorizou rapidamente, contaminando toda a economia norte-americana e européia. Nações como a China e outras em desenvolvimento, como o Brasil, suportaram bem os impactos da crise, porque não haviam mergulhado completamente naquele modelo.

O fato é que os EUA lutam desde 2007 para aplacar os efeitos da maior crise financeira mundial desde 1929, e que ao contrário das anteriores, das décadas de 1980 e 1990, teve seu epicentro no interior da própria economia mais dinâmica do mundo, e não numa nação periférica (como foi o caso da crise Mexicana, Argentina e Asiática). O último lance dessa tentativa é o que os jornalistas e políticos vem chamando de guerra cambial.

O que é a guerra cambial? O Federal Reserve, banco central dos EUA, se tornaram a "agência reguladora" dos fluxos de capital em nível mundial, e isso por uma razão muito simples: ao regular a moeda norte-americana, afetam todas as outras moedas mundiais, eis que, no modelo adotado do padrão dólar-flutuante, todas elas se referenciam naquela.

Ora, diante da crise, o FED encontrou a solução mágica para resolver a sua crise: imprimir mais dinheiro fictício (600 bilhões de dólares), aprofundando ainda mais a lógica que levou ao desencadeamento da crise, o que demonstra que os EUA não podem mais sair dessa lógica.

Ocorre que a inundação da economia mundial com a moeda americana, força o seu preço para baixo, valorizando todas as outras moedas mundiais. O efeito terrível para uma nação quando a sua moeda se valoriza, é que fica mais barato comprar produtos manufaturados de outras nações, pressionando pela queda dos níveis de exportação nacional e pela desindustrialização (ou seja, diminuição dos níveis de crescimento, estagnação, desemprego, etc.). TRADUZINDO: os EUA estão SOCIALIZANDO o seu prejuízo com o resto do mundo. Como na relação capitalista, onde a produção é social e a apropriação é privada, também na relação centro/periferia que se desenvolve em nível mundial, as nações cêntricas forçam para socializar prejuízos, mediante a apropriação da riqueza das outras nações, na forma de juros.

Para nações como a brasileira, que estão capitalizando um ciclo virtuoso de crescimento, os impactos de uma guerra cambial são perversos, principalmente porque foram nações como os EUA que forçaram a adoção do câmbio flutuante na década de 1990. Mas as mesmas nações que impuseram o câmbio flutuante para as nações periféricas (Consenso de Washington), agora implementam políticas deliberadas (disfarçadas de "livre jogo de mercado"), que forçam a desvalorização do dólar de forma artificial, o que significa um "câmbio fixo disfarçado de flutuante". Como dizia o economista estadunidense Ha-Joon Chang, as nações do centro do capitalismo adotam medidas que depois não apregoam para as nações da periferia, "chutando a escada" dos caminhos do desenvolvimento.

Essa situação se reflete concretamente na minha vida e na sua. O Brasil entrou, desde 2002, num novo ciclo de desenvolvimento que melhorou significativamente a vida do povo. Um abalo como esse poderia fazer repetir a crise dos anos 1980, quando o Brasil ainda crescia sob o influxo do "Milagre" (financiado pelo capital norte-americano), tendo visto a "fonte secar" repentinamente, quando o FED (o mesmo, ok?), resolveu aumentar as taxas de juros domésticas norte-americanas, provocando a reversão do fluxo de capital dos países em desenvolvimento para os EUA, e com isso, determinando a estagnação das economicas periféricas, como a brasileira. O efeito todos nós conhecemos: 20 anos de paradeira, desemprego, inflação e outros males da economia globalizada.

Enfim, não se pode ser inocente nessa matéria: o mundo está passando por ajustes que colocam as nações umas contra as outras e um governo responsável com a realização dos interesses nacionais e a defesa de nossa soberania é fundamental num momento como esse. Não serão as livres forças de mercado que trarão a redenção para a humanidade, mas a união de todos e de todas em torno da construção política de um mundo melhor, mais livre, justo e solidário.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O que comemoramos a 15 de novembro?



Por: Matheus Felipe de Castro

"Liberdade, liberdade, abre suas asas sobre nós..."

Nós brasileiros infelizmente tratamos nossos feriados históricos como meros dias de lazer e fuga do trabalho, sem realizarmos uma reflexão mais profunda sobre eles. O 15 de novembro não escapa a essa realidade.

Data histórica da mais alta importância, representa uma das mais importantes transições da história brasileira, ao lado do 07 de setembro e da Revolução de 1930.

O Brasil foi ocupado em 1500 pelos povos europeus, como um capítulo da expansão do mercantilismo europeu, possibilitando a formação do sistema econômico mundial a partir da relação centro/periferia, como tão bem ressaltou Celso Furtado.

Por aproximadamente 400 anos, fomos uma colônia (empresa extrativista e produtora de bens primários para exportação) da Europa, baseados na mais torpe forma de exploração do trabalho já conhecida pela humanidade, a escravidão.

Em 07 de setembro de 1822, tivemos a primeira grande ruptura da história brasileira, com a independência nacional, que significou a criação de um Estado brasileiro independente do colonizador. Com seus erros e acertos, com ou sem grande participação popular, o fato é que o surgimento de um Estado e de uma Constituição (1824) são fatos marcantes da vida de um povo.

No entanto, isso não significou uma independência política e econômica efetiva para o povo brasileiro. De 1822 a 1889, continuamos fundados numa economia escravista e submetidos à velha relação centro/periferia que nos relegava a uma empresa exportadora de matérias primas para a Europa, agora com alguma autonomia, mas sempre predispostos a colaborar para a construção do bem-estar dos povos europeus, sob pena da mais grave destruição e exploração do povo brasileiro.

Em 1888, a grande revolução da abolição da escravidão, que ao contrário do que defendem alguns historiadores de matriz weberiana, teve sim ampla participação popular (a luta dos próprios escravos contra seus senhores, principalmente através das fugas em massa) e de amplas camadas intelectuais médias de nossa sociedade (pequena burguesia) acabou por levar a infra-estrutura social escravista à desagregação, determinando que poucos meses depois, toda a superestrutura estatal que dava sustentabilidade àquele regime implodisse, uma vez retirada a sua base de sustentabilidade. A abolição da escravidão e a Proclamação da República são eventos inseparáveis, porque o escravismo era a base social do Estado monárquico-escravista.

Com a Abolição da Escravidão, em 1888, com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 e com a promulgação da Constituição Republicana de 1891, surge no Brasil uma forma de Estado qualitativamente diferente daquela que existira até então: um Estado burguês-liberal sem base social burguesa, cujos contornos básicos se encontram descritos na carta constitucional citada.

Esse Estado não encontraria sustentabilidade real e regridiria para uma forma de arranjo das elites de então (Política dos Governadores + Política do café-com-leite), que dominariam a cena política até a Revolução de 1930, sem qualquer possibilidade de participação do povo nos rumos da história: uma forma de semi-escravidão, onde os trabalhadores, se deixaram de ser considerados "coisas" (no sentido do direito real), continuaram de fato subordinados a formas de trabalho servil.

No entanto, se esse Estado e sua Constituição permitiram que as elites dominassem a cena política das décadas seguintes, também permitiram que um forte movimento pequeno-burguês, representado principalmente pelas camadas médias da sociedade (principalmente militares, tenentistas)contestasse o establishment e preparasse aquela que foi a maior de todas as rupturas que sofremos em nossa história, a Revolução de 1930.

Seria na Revolução de 1930 que as velhas elites agrário-exportadoras cederiam espaço para forças políticas mais avançadas. Seria com ela que se iniciaria nossa Revolução Industrial e que, com avanços e reveses, o povo brasileiro iniciaria a história de sua participação perante as instâncias de poder (processo esse que se iniciaria em 1930 e que encontraria o seu lance mais espetacular 70 anos após com a eleição do primeiro operário presidente da República), possibilitando o debate sobre uma independência política e econômica mais efetiva, que ainda está em construção. Mas aqui já é outra história.

O fato, portanto, é que nós não temos a história que gostaríamos de ter, mas temos a história que ocorreu. Compreendê-la e comemorá-la, com todos os seus defeitos e acertos, é compreender que a democracia brasileira não é uma coisa, nem está pronta e acabada. Na verdade, trata-se de um processo de grandes transformações que está em curso e que necessita da ampla participação do povo brasileiro. A liberdade não abrirá suas asas sobre nós se não lutarmos arduamente por ela! VIVA O 15 DE NOVEMBRO! VIVA A REPÚBLICA BRASILEIRA!



Hino da Proclamação da República

Composição: Medeiros / Albuquerque

Seja um pálio de luz desdobrado.
Sob a larga amplidão destes céus
Este canto rebel que o passado
Vem remir dos mais torpes labéus!
Seja um hino de glória que fale
De esperança, de um novo porvir!
Com visões de triunfos embale
Quem por ele lutando surgir!
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Nós nem cremos que escravos outrora
Tenha havido em tão nobre País...
Hoje o rubro lampejo da aurora
Acha irmãos, não tiranos hostis.
Somos todos iguais! Ao futuro
Saberemos, unidos, levar
Nosso augusto estandarte que, puro,
Brilha, ovante, da Pátria no altar!

Liberdade! Liberdade!
Se é mister que de peitos valentes
Haja sangue em nosso pendão,
Sangue vivo do herói Tiradentes
Batizou este audaz pavilhão!
Mensageiros de paz, paz queremos,
É de amor nossa força e poder
Mas da guerra nos transes supremos
Heis de ver-nos lutar e vencer!
Liberdade! Liberdade!

Do Ipiranga é preciso que o brado
Seja um grito soberbo de fé!
O Brasil já surgiu libertado,
Sobre as púrpuras régias de pé.
Eia, pois, brasileiros avante!
Verdes louros colhamos louçãos!
Seja o nosso País triunfante,
Livre terra de livres irmãos!

Liberdade! Liberdade!

domingo, 14 de novembro de 2010

Elites jurídicas controlam o sistema Judiciário



Aí galera: vai aí um estudo daqueles que valem a pena ser lidos, porque não ficam discutindo sexo dos anjos, mergulhando de verdade nas grandes conexões que determinam nossas vidas. Velhas elites que perderam espaço na política brasileira, principalmente no legislativo e no executivo estão se aninhando cada vez mais no Poder Judiciário, que vem conformando um poder perigoso e autoritário, na medida em que se tem reservado o poder de "dar a última palavra" em assuntos de poder, numa nação que se orgulha de assentar sobre a "soberania popular". Não à toa, um dos temas da moda na nossa pós-graduação vem sendo os ligados ao "neoconstitucionalismo", que tem uma tendência inexorável a defender fortes discricionariedades por parte do Judiciário, tomado como "guardião da democracia", embora sofra, ele mesmo, de fortes déficits democráticos. Para quem quiser acessar o trabalho, ele está disponível na net no endereço: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-08102010-143600/pt-br.php. Boa leitura!

Por Marcelo Pellegrini - marcelo.pellegrini.filho@usp.br
Publicado em 8/novembro/2010


Em estudo concluído em setembro sobre o sistema jurídico brasileiro, o cientista político Frederico Normanha Ribeiro de Almeida verifica a existência de uma política entre grupos de juristas influentes dentro do sistema jurídico nacional, no sentido de formar alianças e disputar espaço, cargos e poder dentro da administração do sistema. Segundo Almeida, este é um estudo inovador, pois constata um jogo político “difícil entender em uma área em que as pessoas não são eleitas e, sim, sobem na carreira, a princípio, por mérito”.

Em sua tese de doutorado A nobreza togada: as elites jurídicas e a política da Justiça no Brasil, orientada pela professora Maria Tereza Aina Sadek da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o pesquisador identificou, por meio de entrevistas, análises de currículos e biografias e uma análise documental da Reforma do Judiciário, três tipos de elites políticas dentro do sistema Judicial brasileiro: elites institucionais, profissionais e intelectuais.

Segundo ele, as elites institucionais são compostas por juristas que ocupam cargos chave das instituições da administração da justiça estatal, como o Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Estaduais, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conselho Nacional de Justiça( CNJ).

Já as elites profissionais são caracterizadas por lideranças corporativas dos grupos de profissionais do Direito atuantes na administração da justiça estatal, como a Associação dos Magistrados Brasileiros, OAB e a Confederação Nacional do Ministério Público.

O último grupo, as elites intelectuais são formadas por especialistas em temas relacionados à administração da justiça estatal. Este grupo, apesar de não possuir uma posição formal de poder, possui influência nas discussões sobre a área e em reformas políticas, como no caso dos especialistas em direito público e em direito processual.

Características comuns às elites
No estudo verificou-se que as três elites políticas identificadas possuíam em comum a origem social, as Universidades e as trajetórias profissionais. Segundo Almeida, “todos os juristas que formam esses três grupos provém da elite ou da classe média em ascensão e de Faculdades de Direito tradicionais, como o Faculdade de Direito (FD) da USP, a Universidade Federal de Pernambuco e, em segundo plano, as Pontifícias Universidades Católicas (PUC’s) e as Universidades Federais e Estaduais da década de 60”.

Em relação às trajetórias profissionais dos juristas que ocupam essa elite, Almeida aponta que a grande maioria desses profissionais já exerceram advocacia, o que revela que “a passagem pela advocacia tende a ser mais relevante do que a magistratura”. Exemplo disso, é que a maior parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que são indicados pelo Presidente da República, serem ou terem exercido advocacia em algum momento de sua carreira.”

O cientista político também aponta que apesar de a carreira de um jurista ser definida com base no mérito, ou seja, via concursos, há um série de elementos que influenciam os resultados desta forma de avaliação. Segundo ele, critérios de avaliação como porte e oratória, favorecem indivíduos provenientes da classe média e da elite sócio-econômica, enquanto a militância estudantil e a presença em nichos de poder são fatores diretamente ligados às relações construídas nas faculdades.

“No caso dos Tribunais Superiores, não há concursos, são exigidos como requisito de seleção ‘notório saber jurídico’, o que, em outras palavras, significa ter cursado as mesmas faculdades tradicionais que as atuais elites políticas do Judiciário cursaram”, afirma o pesquisador.

Por fim, outro fator relevante notado nos levantamentos do estudo foi o que Almeida denominou de “dinastias jurídicas”. Ou seja, famílias que estão presentes por várias gerações no cenário jurídico.

“Notamos que o peso do sobrenome de famílias de juristas é outro fator que conta na escolha de um cargo-chave do STJ, por exemplo. Fatores como estes demonstram a existência de uma disputa política pelo controle da administração do sistema Judiciário brasileiro”, conlcui Almeida.

Fonte: Agência USP de Notícias.