"Nossa cultura é a macumba, não a ópera. Somos um país sentimental, uma
nação sem gravata"
(Glauber Rocha)


sábado, 30 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2: o buraco é mais embaixo!


“Tropa de Elite 2”: Boca no trombone

Cloves Geraldo *


Filme de José Padilha identifica as raízes da corrupção e do tráfico, mas os motivos são mais amplos do que o alvo indicado

Tempos românticos aqueles em que o assaltante Lúcio Flávio podia tecer sua máxima: “polícia é polícia, bandido é bandido”, numa espécie de ética dos deserdados. Quarenta anos depois, a divisão entre ambos inexiste como o mostra o diretor José Padilha em seu “Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro”. Neste a ação se dá nos espaços político, familiar e policial, fundindo-os de forma a que o espectador reflita sobre a desestruturação dos sistemas de segurança, político e familiar do país. E descubra, afinal, que eles estão umbilicalmente ligados.

No entanto, a trama centraldo filme não são estas óbvias vinculações, mas o confronto que se dá entre o agora tenente-coronel Nascimento (Wagner Moura) e o militante de esquerda e de direitos humanos, o professor de História Fraga (Irandhir Santos) ao longo de 118 minutos. Desde a abertura em off até o final, os dois se digladiam para configurar uma saída para os impasses enfrentados por ambos, inclusive nos campos político e familiar, que os opõem ferozmente.

Nascimento e Fraga refletem os dois lados do Brasil atual; de um lado os policiais que ainda usam métodos do regime militar, e de outro o militante de esquerda que une a teoria à ação. Duas vertentes que surgem na aula de Fraga, quando ele diz que o Brasil pode se tornar uma imensa prisão de segurança máxima, e no ambíguo jogo a que se presta Nascimento em sua guerra contra o tráfico. Enfim, a violência institucionalizada como conduta do decadente estado burguês e a tentativa hercúlea para se evitar a execução das vítimas deste mesmo estado.

Emana deste confronto, que provoca transformações profundas em Nascimento, as medidas neoliberais que desestruturaram o Estado, mas preservaram os lucros do grande capital. E que, para isto, privatizou tudo que pudesse, nas mãos do estado popular, evitar a pauperismo dos trabalhadores amontoados nos mangues, morros e periferias, desempregados, famintos e sem futuro. E que, devido a isto, parte deles, principalmente seus filhos, acabou atraído para o crime organizado.

Fraga é a consciência da
luta contra a corrupção


Fraga então se torna o instrumento de luta de Nascimento para enfrentar a estrutura de corrupção, centrada no tráfico de drogas. Se em “Tropa de Elite 1”, o grande achado de Padilha foi fazer cair a máscara de certa classe média como sustentadora e, ao mesmo tempo, vítima do tráfico, neste “Tropa de Elite 2”, é esta busca de consciência de Nascimento que torna seu filme diferente. Mesmo que ele navegue, como Ulisses, entre dragões da maldade para reconquistar o filho Rafael (Pedro Van-Held), escape às armadilhas da milícia e se equilibre para sobreviver nos altos escalões da corrupção na Secretaria de Segurança, onde foi “promovido” a subsecretario.

É neste posto que ele obterá o que Fraga detém: a visão da superestrutura de poder do estado. Percebe que tudo se move em função da política e, ao contrário do que ele pensa, é sustentada, naquele momento, pela mídia sensacionalista, as milícias, os traficantes e seus chefes, do secretário de segurança ao governador. É o sistema então que está podre. Uma podridão provocada pela política neoliberal e a falência do Estado burguês, que o espectador antevê nas falas de Fraga, ainda que este não os mencione.

Em princípio, ele, Nascimento vê como saída “o fim da Polícia Militar do Rio de Janeiro”, até que, por influência indireta de Fraga, entende que isto seria insuficiente, sem profunda mudança na superestrutura, que Padilha identifica num belo movimento de câmera (travelling) sobre o Palácio do Planalto. Ótimo achado, feito através do off de Nascimento, porém insuficiente dado que as necessidades são de superação do estado burguês. O espectador, cujo ódio contra as bandas podres da PM, os políticos corruptos e a mídia sensacionalista é aguçado pela trama, entende que é da superestrutura que devem partir as radicais mudanças.

Esta ânsia por medidas radicais se evidencia no comportamento dele, espectador, diante das ações nefastas do coronel Russo (Sandro Rocha), chefe das milícias, da luta incessante de Fraga e das ações de Nascimento. E explodem em prolongadas palmas, quando Nascimento dá vazão a seu ódio contra ao secretario de segurança, durante a defesa do filho Rafael. Ele, espectador, entra literalmente em catarse, exorciza todos os demônios e purga as feridas causadas por um sistema que o martiriza no cotidiano.

Este tema político-ideológico passeia por vários gêneros, político, guerra e ação, para compor a epopéia de Nascimento. Ele e Fraga usam a arma que têm para estancar a sangria. Os verdadeiros chefões da cadeia de produção, financiamento, distribuição e venda, permanecem nas sombras. Estão seguros em suas ilhas, condomínios fechados, gozando a vida. Quem aparece são os “bagrinhos”, os chefões do tráfico dos morros, melancólicos e endinheirados que mal desfrutam a grana acumulada. É o retrato da estrutura de classe burguesa à luz do crime organizado.

“Tropa de Elite 2”. Brasil. Drama. 2010. 188 minutos. Roteiro: Bráulio Mantovani/José Padilha. Direção: José Padilha. Elenco: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Pedro Van-Helde, Sandro Rocha, Maria Ribeiro.

* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis, "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

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